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segunda-feira, 19 de agosto de 2024
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Preconceitos

Relatora especial da ONU vê racismo sistêmico no Brasil

Para Ashwini K.P., medidas para combater problema são insuficientes

Postado em 19 de agosto de 2024 por Tathyane Melo
Para Ashwini K.P., medidas para combater problema são insuficientes | Foto: Tomaz Silva/ Agência Brasil

O racismo no Brasil é sistêmico, perdura desde a formação do Estado brasileiro. E com isso, as medidas para combater o preconceito não são suficientes para fazer frente à gravidade da situação. A relatora especial sobre formas contemporâneas de racismo, Ashwini K.P.. Ela integra o corpo de especialistas independentes do sistema de direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), apresentou essas conclusões preliminares nesta sexta-feira (16).

Em primeiro lugar, Ashwini K.P. também manifestou preocupação com as eleições municipais, que ocorrerão em outubro deste ano. Segundo ela, há uma representação política muito baixa no país de grupos raciais e étnicos marginalizados. Além de um ambiente político hostil e mesmo perigoso para quem consegue se eleger. Ela citou como exemplo o caso de Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro assassinada em 2018.

“Ficou extremamente evidente para mim, após minha visita, que as pessoas afrodescendentes, os povos indígenas, comunidades quilombolas, romani e pessoas pertencentes a outros grupos raciais e étnicos marginalizados no Brasil, incluindo aqueles que enfrentam discriminação interseccional com base em deficiência, gênero, status LGBTQIA+ e/ou ser pessoa migrante ou refugiada, continuam a experimentar formas multifacetadas, profundamente interconectadas e generalizadas de racismo sistêmico”, disse, em coletiva de imprensa.

Preocupações

“A violência estrutural e a exclusão endêmicas, que desumanizam pessoas de grupos raciais e étnicos marginalizados, causam danos muitas vezes irreparáveis e tornam as pessoas invisíveis dentro da sociedade, sendo consistentemente articuladas para mim como características integrais do racismo sistêmico no Brasil”, observou.

Embora reconheça medidas de combate ao racismo importantes no país, ela diz que ainda não são suficientes diante da gravidade do problema. “O ritmo atual de mudança não parece corresponder à gravidade da situação sofrida por pessoas de grupos raciais e étnicos marginalizados. Existem lacunas significativas na implementação e alcance de leis e políticas, e o progresso em direção à justiça racial é muito lento. As pessoas de grupos raciais e étnicos marginalizados no Brasil já esperaram tempo demais por justiça e igualdade racial. A própria vida e existência de pessoas marginalizadas depende de ação mais ousada e urgente”, afirmou.

Entre os bons exemplos destacados estão os programas de ações afirmativas para instituições de ensino superior e outras instituições públicas; os esforços para garantir o reconhecimento cultural e a memória sobre as experiências coletivas de pessoas de grupos raciais e étnicos marginalizados, com a criação de memoriais; e até mesmo a criação do Ministério da Igualdade Racial e do Ministério dos Povos Indígenas em 2023, bem como a criação de uma Secretaria sobre os Povos Romani dentro do Ministério da Igualdade Racial.

Eleições

Em relação à representação política, ela mostrou preocupação. “Estou, portanto, muito preocupada com relatos de representação política muito baixa de grupos raciais e étnicos marginalizados, incluindo afrodescendentes, povos indígenas, comunidades quilombolas e romani em órgãos políticos e de tomada de decisão, incluindo o Congresso Nacional e órgãos estaduais e municipais”, disse.

Ela acrescentou: “Notei como positivo que cotas de representatividade racial existem, mas me preocupei ao ouvir que não estavam sendo implementadas e que há ausência de responsabilização por esse descumprimento. Também ouvi testemunhos preocupantes sobre como as instituições políticas são consideradas lugares profundamente hostis e inseguros por pessoas de grupos raciais e étnicos marginalizados.”

Segundo a proposta de emenda à Constituição (PEC) que estabelece novas regras para os partidos políticos na aplicação de recursos destinados às cotas raciais em candidatura, aprovada pelo Senado nesta quinta-feira (15), ela defende que é também responsabilidade dos próprios partidos políticos assumirem o compromisso de garantir a representatividade de comunidades marginalizadas.

A chamada PEC da Anistia (9/2023) também perdoa os débitos dos partidos que descumpriram a aplicação mínima de recursos em candidaturas de pretos e pardos nas eleições passadas e permite a renegociação de dívidas tributárias das legendas.

Visita ao Brasil

Ashwini K.P. está no Brasil desde o dia 5 de agosto. A visita terminou nesta sexta. Ela esteve Brasília, Salvador, São Luís, São Paulo, Florianópolis e Rio de Janeiro, a convite do governo federal. Reuniu-se com representantes dos governos federal e estaduais. Além de representantes da sociedade civil que trabalham com racismo e preconceito e de comunidades que sofrem discriminação racial.

Nesta sexta, a relatora especial apresentou à imprensa as conclusões preliminares da avalição. A apresentação está disponível na íntegra na página do Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos na internet. O Conselho de Direitos Humanos apresentará a análise completa na sua 59ª sessão, em junho de 2025.

As relatorias especiais fazem parte do que é conhecido como Procedimentos Especiais do Conselho de Direitos Humanos. Procedimentos Especiais trata-se do maior corpo de especialistas independentes do sistema de direitos humanos da ONU. Acima de tudo, eles apuram e monitoram situações específicas de países ou questões temáticas em todas as partes do mundo. Ashwini K.P. foi nomeada pelo conselho como a sexta relatora especial sobre formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata em 2022.
Os especialistas em Procedimentos Especiais trabalham de forma voluntária; não são funcionários da ONU, são independentes de qualquer governo ou organização e atuam em sua capacidade individual.

Com informações da Agência Brasil

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