Morre aos 96 anos Gustavo Gutiérrez, pai da teologia da libertação
Igreja para os pobres
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Morre aos 96 anos Gustavo Gutiérrez. O teólogo e padre peruano Gustavo Gutiérrez faleceu nesta terça-feira (22), em Lima, no Peru. Conhecido como o “pai” da teologia da libertação, Gutiérrez influenciou decisivamente o pensamento teológico no século 20. Sua obra marcou profundamente a relação entre a Igreja Católica e a realidade social da América Latina, colocando a pobreza no centro da reflexão teológica.
Gutiérrez ganhou notoriedade ao publicar, em 1971, o livro “Teologia da libertação. Perspectivas”, que deu nome a todo o movimento teológico. O texto defende a “opção preferencial pelos pobres” e enfatiza a primazia da prática sobre a teoria. Para ele, os pobres e oprimidos são os principais destinatários do Evangelho. A justiça social, portanto, deveria ser uma extensão do amor ao próximo.
O surgimento da teologia da libertação está diretamente ligado ao contexto social e histórico da América Latina. Nos anos 1950 e 1960, a desigualdade e o empobrecimento de amplas parcelas da população eram crescentes. Foi nesse cenário que Gutiérrez propôs que a teologia se voltasse para a realidade concreta dos pobres. Segundo ele, era necessário viver com os pobres e compartilhar de suas lutas.
Durante o Segundo Concílio Vaticano, realizado entre 1962 e 1965, Gutiérrez participou como observador. A partir desse evento, novas abordagens teológicas começaram a surgir, como a teologia política na Europa e a black theology nos Estados Unidos. A teologia da libertação, por sua vez, focava na América Latina, mas também encontrava eco em regiões da África e Ásia.
Gutiérrez, em seus discursos e escritos, não hesitava em criticar o sistema econômico global. Ele alertava para os perigos dos mercados financeiros, que definia como “monstros” com ramificações complexas. Por esse motivo, enfrentou críticas da própria Igreja, que o acusou de defender ideias marxistas. Apesar disso, suas propostas ganharam relevância ao longo dos anos e até o papa Francisco, também latino-americano, incorporou parte dessa visão em seu vocabulário.
Morre aos 96 anos Gustavo Gutiérrez
Nos anos que se seguiram à publicação de seu principal livro, Gutiérrez revisou e corrigiu suas ideias, mostrando abertura para o diálogo e reflexão. A princípio, suas ideias foram alvo de críticas por parte do Vaticano, mas, com o tempo, o reconhecimento acadêmico veio. Diversas universidades ao redor do mundo concederam-lhe o título de doutor honoris causa, em reconhecimento à sua contribuição para a teologia.
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Nascido em 8 de junho de 1928, em Lima, Gutiérrez começou a vida acadêmica estudando medicina. No entanto, após enfrentar problemas de saúde que o mantiveram por anos em uma cadeira de rodas, decidiu dedicar-se à teologia. Estudou filosofia e teologia nas universidades de Leuven, na Bélgica, e Lyon, na França. Foi nesse período que começou a amadurecer sua vocação sacerdotal.
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Além de seu trabalho teológico, Gutiérrez tinha uma forte ligação com as comunidades pobres. Ele foi o idealizador do sistema de “comunidades de base”, que visava fortalecer a atuação da Igreja junto às populações mais vulneráveis. Essa prática continua viva em diversas regiões da América Latina.
Quando o conclave de 2013 elegeu o argentino Jorge Bergoglio como papa, Gutiérrez expressou sua satisfação. Anos mais tarde, em 2018, por ocasião de seu 90º aniversário, o papa Francisco agradeceu ao teólogo por sua contribuição em desafiar a consciência da Igreja e por seu empenho em não deixar que a pobreza e a exclusão passassem despercebidas.