Com vitória de Trump, direita brasileira vai ter que apresentar resultados, não só ideologias
Direita de Trump não está preocupada com questões ideológicas, mas com resultados práticos na vida; assim a direita brasileira terá que readequar seu discurso
Nesta quarta-feira (6/11), o mundo assistiu ao retorno quase triunfal de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, após uma eleição marcada pela polarização. Com o novo mandato, Trump se tornará o 47º presidente americano, a partir de 20 de janeiro de 2025, dia de sua posse, depois de ter exercido o cargo entre 2017 e 2021.
A vitória do republicano projeta uma mudança significativa no cenário político global, com repercussões que devem influenciar a direita no Brasil, reforçando o movimento conservador, por aqui, e reanimando o bolsonarismo em um contexto já polarizado com a esquerda do presidente Lula (PT).
No entanto, o que as eleições dos EUA confirmam é que, em países democráticos, a alternância de poder é natural – e saudável, pois é construída por todos. Dessa forma, se faz importante voltarmos nossos olhares para 2020, quando Trump foi derrotado pelo atual presidente, o democrata Joe Biden.
Na época, Biden recebeu 306 votos no Colégio Eleitoral e Trump, 232. Neste ano, o republicano se elegeu, com 292 votos dos delegados, contra 224 de sua adversária Kamala Harris. A diferença, no entanto, está em como cada candidato recebeu o resultado. Embora Trump já havia dito nessa campanha que não contestaria os resultados, em 2021 não aceitou o resultado e ainda incitou, indiretamente, a invasão ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021.
No Brasil, a extrema direita representada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), quase que copiou a mesma movimentação – invadiu, coincidentemente em 8 de janeiro de 2022 (um ano e dois dias após a invasão ao Capitólio), a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, depredando os maiores símbolos políticos da nação. Em contraponto, a candidata democrata Kamala Harris, derrotada por Trump, parabenizou rapidamente o republicano, com uma postura política séria e de respeito à democracia.
Mas, a volta de Trump será sentida no Brasil? A resposta é sim. Vai reverberar por aqui. Contudo, o cenário é outro. A direita representada por Trump não parece estar preocupada com questões ideológicas, mas sim com resultados práticos na vida, com dinheiro no bolso e poder de compra. Para isso, a reportagem do jornal O Hoje conversou com cientistas políticos para se ter uma visão mais ampla sobre como a eleição americana pode reviver o bolsonarismo e realinhar a direita brasileira para as eleições presidenciais de 2026.
A força do discurso de Trump
Para o cientista político Lehninger Mota, a vitória de Trump mostra como o discurso voltado à economia nacionalista e ao fortalecimento da indústria americana se sobressaiu, em contraste à narrativa ideológica adotada no Brasil. Trump trabalhou na linha ‘América para os americanos’.
“Embora as pessoas vejam Trump como uma pessoa polêmica, os americanos estão preocupados com qualidade de vida, dinheiro no bolso e não ideologias. Mesmo que haja um movimento de direita crescendo pelo mundo, eles estão preocupados com questões econômicas para além do discurso”, afirmou Mota indicando que se Bolsonaro chegar em 2026 com o mesmo discurso de “se o PT ganhar vai fechar igrejas” ou ‘PT quer ensinar ideologia de gênero nas escolas”, o ex-presidente corre risco de perder sua liderança. O motivo? O mesmo dos americanos. Brasileiros querem um discurso mais propositivo sobre questões reais do país, como economia e pautas que impactam diretamente a vida das pessoas.
Na análise de Mota, o sucesso de Trump não se deve exclusivamente à economia, mas à capacidade que teve de conectar seus discursos aos anseios diretos da população. Nos EUA, o índice de inflação está em desaceleração, o desemprego se mantém baixo e o mercado financeiro exibe indicadores positivos. Fatores esses que deveriam, teoricamente, fortalecer a candidatura de Kamala Harris, vice de Biden. Porém, nesta pauta, Trump se saiu melhor – soube transformar esses dados em uma promessa de continuidade de crescimento, com a narrativa de “fazer a América grande novamente” e que os próximos quatro anos serão a “era de ouro” dos EUA.
Uma nova configuração para 2026?
No Brasil, a vitória de Trump é vista por líderes da direita como um fortalecimento de pautas conservadoras, com possibilidade de influenciar o cenário eleitoral de 2026. Para Mota, “a tendência é que a direita busque consolidar uma plataforma mais moderada, estabelecendo um elo desde a centro-direita até a mais extrema.”
Para 2026, uma questão chave será a elegibilidade de Bolsonaro. O cientista político aponta que as articulações da direita seguirão fortes para tornálo elegível. Mas, caso Bolsonaro não possa concorrer, outras figuras da direita devem assumir papel central, como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (UB – ambos vistos como nomes da direita mais moderada com potencial de atrair uma base ampla de eleitores.
O jornalista Felipe Fulquim, especialista em marketing político e mestrando em Comunicação pela UFG, concorda que o bolsonarismo será ressuscitado pelo movimento de Trump. Segundo Fulquim, “o que se observa é uma configuração polarizada entre esquerda, centro-direita e direita radical, e a vitória de Trump mostra que esse espectro político possui resiliência e continuidade.” Para ele, o retorno de Trump fortalece a base conservadora em várias partes do mundo, assim como no Brasil.
Ideologia x praticidade
Nos EUA, Trump foi eleito em um cenário onde os bons indicadores econômicos do governo Biden não foram suficientes para manter o apoio aos democratas. Embora a economia americana vá bem, o discurso de Trump que os americanos podem reviver a “era de ouro”, cativou os eleitores.
Para analistas, o desafio de Bolsonaro ou de qualquer candidato da direita será apresentar propostas concretas que beneficiem o cotidiano do eleitor médio. Caso a direita opte por um discurso focado em resultados palpáveis, os efeitos podem ser duradouros e conquistar parte do eleitorado que se distanciou do bolsonarismo.
Com a aproximação de 2026, a direita brasileira terá a oportunidade de reformular sua imagem e agenda, estabelecendo uma plataforma que dialogue com um eleitorado cada vez mais pragmático. Na visão de Fulquim, a base conservadora brasileira pode crescer, caso consiga moldar um discurso que vá além da retórica e traga propostas que falem diretamente às necessidades da população.
Como mostram as eleições americanas, é possível que o eleitorado esteja cada vez mais inclinado a preferir um candidato que ofereça resultados econômicos claros a discussões meramente ideológicas.