Estudo revela aumento nas crises de saúde mental em adolescentes
Estudos de instituições voltadas à infância indicam que os primeiros anos de vida, incluindo a adolescência, são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo, social e emocional de uma pessoa
Um estudo publicado em outubro no Journal of Adolescent Health revela que aproximadamente um em cada sete adolescentes enfrenta algum tipo de doença mental, com a ansiedade e a depressão sendo as mais comuns. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos, realizaram a pesquisa. Além desses transtornos, o estudo também revela altas taxas de abuso de substâncias como álcool e drogas, distúrbios alimentares, problemas comportamentais e ideação suicida.
Cerca de um terço dos adolescentes desenvolve essas condições antes dos 14 anos, enquanto metade delas surge por volta dos 18 anos. Muitos adolescentes ainda enfrentam estresse psicossocial não diagnosticado. Os pesquisadores extraíram as informações de uma revisão de estudos iniciados em 2010, com o objetivo de compreender melhor os fatores que mais afetam a saúde e o desenvolvimento dos jovens entre 10 e 19 anos ao redor do mundo.
Os especialistas atribuem o aumento dos problemas de saúde mental entre os adolescentes a diversos fatores, como o aumento das pesquisas sobre essa faixa etária, o maior acesso à informação e um melhor entendimento das questões relacionadas à saúde mental, o que tem levado a diagnósticos mais precisos.
O desenvolvimento desses transtornos resulta de uma interação de vários fatores, como condições sociais, econômicas, culturais, psicológicas e genéticas, além de fatores como histórico familiar, maus-tratos físicos e psicológicos e eventos estressores frequentes. Não há um único fator causal, mas uma combinação de situações que podem aumentar a vulnerabilidade a transtornos mentais.
O estudo também observa o aumento do sentimento de solidão, especialmente entre as meninas, um fenômeno que dobrou entre 2012 e 2018. Os pesquisadores associam esse crescimento ao uso intenso de tecnologia e redes sociais, que podem contribuir para a exclusão escolar e o bullying. O contato por redes sociais tende a ser mais distante, gerando relações superficiais e com a pandemia de Covid-19 acelerou esse isolamento social, pois crianças e adolescentes perderam a convivência escolar, o que afetou a formação de amizades e o desenvolvimento social, substituindo-o por interações online.
Veja como saber se seu filho precisa de ajuda
A adolescência é um período de grandes mudanças, onde o jovem está em processo de construção da sua identidade e enfrenta novas expectativas e responsabilidades, o que pode impactar sua saúde mental. Nesse estágio, a influência do grupo é muito forte, e muitos adolescentes acabam se envolvendo em comportamentos de risco.
Por isso, é fundamental estar atento a qualquer alteração no comportamento. Se familiares, amigos ou professores perceberem sinais como agitação, agressividade, irritabilidade, tristeza, desânimo, nervosismo, maior ansiedade, isolamento ou distanciamento social, além de mudanças no apetite ou no padrão de sono, esses podem ser indícios de transtornos mentais.
É importante observar também transformações na forma de falar, pensar, se vestir, se cuidar, além de possíveis mudanças nos hábitos, como o aumento do consumo de álcool ou drogas e dificuldades nos relacionamentos. Esses sinais não indicam, necessariamente, a presença de um transtorno, já que algumas dessas mudanças são típicas da adolescência, mas podem ser um alerta para a necessidade de buscar orientação profissional.
No Brasil
Pesquisas acadêmicas e estudos de instituições voltadas à infância indicam que os primeiros anos de vida, incluindo a adolescência, são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo, social e emocional de uma pessoa, com impactos que podem perdurar por toda a vida. Por essa razão, é crucial prestar atenção à saúde mental durante essas fases.
A mais recente Pesquisa Nacional de Saúde Escolar, realizada em 2019, revelou que 31,4% dos alunos entrevistados relataram sentir tristeza com frequência, enquanto 17,7% avaliavam negativamente sua saúde mental.
Entre 2011 e 2022, a taxa de suicídios na faixa etária de 10 a 24 anos aumentou 6%, enquanto o número de autolesões cresceu 29%, de acordo com uma análise do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde da Fundação Oswaldo Cruz Bahia, com base em dados do Ministério da Saúde. Esses índices são superiores aos observados na população geral, onde as taxas de suicídio e autolesão aumentaram, respectivamente, 3,7% e 21% no mesmo período.
Além disso, a probabilidade de suicídio entre adolescentes também aumentou, conforme aponta a pesquisa “Adolescência e Suicídio: um Problema de Saúde Pública”, conduzida pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz. O estudo constatou que, entre 2000 e 2022, a diferença na probabilidade de suicídio entre adultos e adolescentes aumentou a cada ano. Em 2022, essa tendência se inverteu, e a probabilidade de um jovem de 10 a 19 anos cometer suicídio foi 21% maior do que a de um jovem adulto.
Outro problema que preocupa é a ansiedade, que, quando excessiva e persistente, pode se transformar em um transtorno mental significativo.
Cuidados necessários
No Brasil, a saúde mental é tratada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) por meio da Rede de Atenção Psicossocial. Em 2002, o Ministério da Saúde criou o Centros de Atenção Psicossocial (Caps), que oferecem acolhimento para pacientes com transtornos mentais.
Um dos tipos de Caps, o Caps i, atende crianças e adolescentes que enfrentam sofrimento psíquico grave e persistente, sendo indicado para municípios ou regiões com mais de 70 mil habitantes.
Apesar da existência desses serviços, o psiquiatra Rodrigo Bressan aponta que, além das carências estruturais nos serviços de saúde mental da rede pública, o preconceito ainda é uma grande barreira.
Pesquisas realizadas pelo Instituto Ame Sua Mente revelam que, mesmo com orientações da escola, muitas famílias não iniciam ou abandonam o tratamento de seus filhos devido ao estigma relacionado à saúde mental.
O papel da família é crucial nesse processo, e os pais precisam ser melhor informados sobre essas questões. A comunicação entre escola e família deve ser incentivada. Uma das estratégias mais eficazes é o letramento em saúde mental para professores, permitindo que identifiquem problemas, orientem os pais e encaminhem corretamente os adolescentes para o tratamento.