Vacinas não estão relacionadas à incidência de casos de autismo, aponta estudo
“Estamos pagando um preço muito alto por crenças populares que não possuem compromisso com a ciência e a verdade”, explica a neurologista
A relação entre vacinas e autismo tem sido objeto de intenso debate e preocupação pública desde o final da década de 1990. Apesar de extensas pesquisas científicas que refutam qualquer ligação causal, o mito persiste, influenciando decisões de vacinação em muitas famílias.
Em 1998, o médico britânico Andrew Wakefield publicou um estudo na revista The Lancet, sugerindo uma associação entre a vacina tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) e o desenvolvimento de autismo em crianças. O estudo envolveu apenas 12 crianças e carecia de rigor científico, mas recebeu ampla cobertura midiática, gerando alarme entre pais e profissionais de saúde.
No entanto, a pesquisa foi desmentida, retratada e Wakefield teve sua licença médica cassada. Apesar disso, o medo infundado persistiu, levando a uma queda nas taxas de vacinação em alguns países e ao ressurgimento de doenças previamente controladas, como o sarampo. “Houve um erro enorme da revista The Lancet em ter aceitado o artigo de Andrew Wakefield, não havia dados o suficiente.”, aponta o infectologista Marcelo Daher.
“Claramente, a ciência já comprovou que não há nenhuma ligação entre vacinas e autismo, é importante que isso fique claro. Uma vez que, a desinformação causa queda nas taxas de vacinação e aumento nos casos de doenças.”, completa o profissional.
De acordo com a neurologista Lorena Bochenek, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) possui uma origem multifatorial, e suas causas ainda estão sendo amplamente estudadas pela ciência. Entre os fatores identificados, destaca-se a influência genética, uma vez que diversos genes já foram associados ao TEA, tornando a hereditariedade um aspecto significativo.
Além disso, segundo a especialista, fatores ambientais também desempenham um papel importante. A exposição a determinadas condições durante a gestação, como infecções, uso de medicamentos específicos ou complicações no parto, pode aumentar o risco de desenvolvimento do transtorno.
A idade avançada dos pais, tanto materna quanto paterna, também é mencionada como um possível fator de risco. Bochenek ressalta, ainda, que alterações na expressão genética provocadas por influências ambientais podem contribuir para o surgimento ou agravamento do TEA, reforçando a complexidade e a interação de múltiplos fatores na origem do transtorno.
A advogada e vice-presidente da Associação Mães em Movimento pelo Autismo, Maíra Tomo, recebeu o diagnóstico de autismo do filho, Felipe, quando a criança tinha apenas 1 ano e 6 meses de idade. A mulher relatou ao Jornal O Hoje que enfrentou dificuldades para encontrar tratamento adequado e informações de qualidade acerca do transtorno. “Sem dúvidas o acesso ao tratamento adequado foi o maior desafio enfrentado pela minha família, estudei muito e sabia que o Felipe precisava de intervenção precoce e intensiva, mas naquela época eu não sabia encontrar.”
Na ocasião, a mãe relatou ter se deparado com debates que levantavam uma possível relação entre vacinas e autismo. No entanto, foi somente após conversas com especialistas e a leitura de artigos científicos que ela conseguiu compreender a verdade sobre o tema. Embora Maíra nunca tenha deixado de vacinar seus filhos devido a essa desinformação, ela destaca conhecer pessoas que tomaram essa decisão equivocada após o diagnóstico de autismo, influenciadas pelas informações falsas amplamente disseminadas.
A neurologista aponta que medidas extremistas como abrir mão da vacinação são resultado de um acúmulo de mau entendidos que são utilizados como arma política. “Estamos pagando um preço muito alto por crenças populares que não possuem compromisso com a ciência e a verdade”, afirma a especialista.
O transtorno do espectro autista (TEA) é um distúrbio do neurodesenvolvimento que apresenta um desenvolvimento atípico, manifestações comportamentais, déficits na comunicação e na interação social, padrões de comportamentos repetitivos e estereotipados. Além disso, pode apresentar um repertório restrito de interesses e atividades.
Vale ressaltar que o diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista deve ser feito apenas por médicos especialistas que serão capazes de apontar o tratamento individualizado com uma equipe multiprofissional.
CORRELATA
Autismo: uma realidade que afeta 6 milhões de brasileiros
Estima-se que o transtorno do espectro autista (TEA) atinge ao menos 6 milhões de brasileiros, um número considerado expressivo. Dessa forma, a quantidade de pessoas diagnosticadas com autismo está crescendo não só no Brasil, mas também em todo o mundo. Segundo o CDC (Centers for Disease Control and Prevention), órgão de saúde dos Estados Unidos, uma em cada 36 crianças é diagnosticada com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Sendo assim, um aumento significativo em comparação com o ano de 2000, quando esse índice era de uma em cada 150 crianças.
De acordo com a neurologista Lorena Bochenek, o crescimento dos casos de autismo reflete, em grande parte, um aumento na conscientização e no aprimoramento dos critérios diagnósticos. “Pais, professores e médicos estão mais informados sobre os sinais de autismo atualmente”, explica Bochenek. Compreender as nuances do transtorno e saber identificar os sinais iniciais, como dificuldades de interação social, padrões restritivos de comportamento e atrasos no desenvolvimento da fala, têm permitido que mais crianças recebam o diagnóstico correto.
Adicionalmente, a ampliação das definições do TEA desempenha um papel fundamental no crescimento dos diagnósticos. Nos últimos anos, as diretrizes médicas incorporaram casos mais leves e abrangem um espectro mais amplo de manifestações do transtorno. Isso inclui crianças e adultos que anteriormente poderiam não ter sido identificados como autistas.
Outro fator importante é o maior acesso a serviços de saúde. Em diversas partes do mundo, campanhas de conscientização e investimentos em saúde pública têm ajudado a disseminar informações sobre o autismo, incentivando famílias a buscar apoio precoce.
Enquanto o número de diagnósticos continua a crescer, a sociedade ainda enfrenta o desafio de criar um ambiente inclusivo para pessoas com TEA. Isso inclui não apenas aumentar o acesso a tratamentos, mas também promover a inclusão em escolas, locais de trabalho e na comunidade em geral. “É indispensável promover informações baseadas em evidências científicas e apoiar a larga conscientização de que o autismo não é uma doença que se pega, mas uma condição que faz parte da diversidade humana.” Conclui Maíra Tomo, mãe de Felipe. (Especial para O Hoje)