O que o conflito entre Brasil e EUA, no campo digital, significa?
Especialistas analisam como o atrito entre o Judiciário brasileiro e o governo dos EUA no campo digital pode influenciar as relações diplomáticas e a polarização política no Brasil, com as eleições se aproximando
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Bruno Goulart
Na última quinta-feira (28), a tensão entre Brasil e Estados Unidos escalou mais uma vez – agora no campo digital. Isso levantou algumas questões sobre os possíveis impactos nas relações diplomáticas entre os dois países e no cenário político brasileiro, especialmente com as eleições se aproximando. O conflito, que envolve o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e o presidente norte-americano Donald Trump, tem sido analisado por especialistas como um episódio atípico, mas com potencial para reverberar em diversas esferas, desde a política interna até as relações internacionais.
Campo Digital
O cerne da disputa está na aplicação das leis brasileiras sobre regulação de redes sociais. Alexandre de Moraes, em sua atuação no STF, tem exigido que plataformas digitais cumpram as normas brasileiras, especialmente em casos relacionados à disseminação de desinformação e discursos de ódio. Essa postura, no entanto, foi interpretada por Trump e seus aliados como uma forma de censura, levando a uma ação judicial nos Estados Unidos contra o ministro. A Justiça americana, no entanto, rejeitou a ação, mas o episódio gerou uma resposta contundente de Moraes, que reafirmou a soberania do Brasil e a independência do Judiciário.
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Ao O HOJE, Felipe Fulquim, jornalista e especialista em marketing político, disse que vê o episódio como atípico, mas com desdobramentos que podem ir além do campo jurídico. “A resposta de Moraes ao dizer que o Brasil já não é mais colônia foi à altura da soberania nacional. Mas a conjuntura dessa briga e dos players envolvidos sobrepuja o campo jurídico-político e pode ter desdobramentos em outras esferas sociais”, analisa Fulquim.
Impactos
Apesar da tensão, especialistas acreditam que o impacto nas relações diplomáticas entre Brasil e EUA pode ser limitado, desde que o conflito não ultrapasse o nível de palavras. Guilherme Carvalho, cientista político, argumentou ao O HOJE que o episódio tem mais repercussão na agenda doméstica do que na internacional. “Alexandre de Moraes não é chefe de estado e não representa a opinião do Itamaraty. Para a política interna, isso faz muito sentido. Na política externa, quem resolve é a chancellaria e a presidência da república, que não tem se pronunciado a esse respeito”, afirma.
Ele ressalta que, nos bastidores, as chancelarias dos dois países devem estar trabalhando para apaziguar a situação. “Mesmo que na opinião pública isso reflita como um grande desencontro, na prática, as relações de estado tendem a ser mais estáveis e menos sujeitas a flutuações políticas”, explica.
No entanto, Fulquim alerta para o fato de que o presidente Trump tem se excedido em atos de política externa, causando desconforto internacional. “Há uma mistura de interesses públicos e privados, com uma empresa de Trump envolvida na ação judicial. Isso pode complicar ainda mais a situação, especialmente se houver uma escalada retórica”, pondera.
Cenário
O timing do conflito é particularmente delicado, dado o cenário eleitoral no Brasil. As eleições de 2026 prometem ser altamente polarizadas, e qualquer tensão internacional pode ser instrumentalizada por grupos políticos para ganhar vantagem eleitoral. Fulquim acredita que o episódio pode ser usado como um jogo de cena político e midiático, especialmente pela extrema direita. “Diria que é um jogo de cena político e midiático entre a extrema direita e o judiciário. A esquerda, por sua vez, pode se beneficiar ao posicionar-se como defensora da soberania nacional”, avalia.