Eventos climáticos impulsionam crescimento de casos de febre oropouche
Em 2023 foram confirmadas 833 infecções, no ano seguinte o total saltou para 13.721
Segundo uma pesquisa publicada na revista científica The Lancet, os eventos climáticos desempenham papel central no aumento expressivo dos casos de febre oropouche em países da América Latina, entre eles o Brasil. De acordo com os autores, o risco de transmissão deve apresentar mudanças ao longo das próximas décadas, com a possibilidade de surtos em larga escala.
Tradicionalmente, a febre oropouche era considerada uma enfermidade endêmica da Região Amazônica, sendo os registros em outras áreas do país esporádicos. No entanto, desde 2023, a doença tem se espalhado para novos estados, com um crescimento expressivo no número de casos.
Enquanto em 2023 foram confirmadas 833 infecções, no ano seguinte o total saltou para 13.721, com pelo menos quatro óbitos registrados. Em 2025, até 15 de abril, o Ministério da Saúde já confirmou 7.756 casos e apura uma morte possivelmente relacionada à doença.
Uma pesquisa multidisciplinar avaliou mais de nove mil e quatrocentas amostras de sangue coletadas entre 2021 e 2022, tanto de indivíduos saudáveis quanto de pessoas com quadro febril. A análise foi realizada utilizando métodos in vitro, além de técnicas sorológicas, moleculares e genômicas. Os cientistas também desenvolveram uma modelagem espacial, combinando os dados laboratoriais aos registros de casos da doença em toda a América Latina.
O levantamento revelou uma taxa média de detecção de anticorpos IgG de 6,3%, indicando infecção prévia pelo vírus, com percentuais superiores a 10% em áreas da Amazônia. Amostras positivas foram encontradas em mais da metade das localidades analisadas, abrangendo 57% dos pontos de coleta.
Segundo os responsáveis pelo estudo, esses achados sugerem que a febre oropouche tem sido subdiagnosticada em diversas regiões. A presença de anticorpos em amostras recolhidas durante surtos de dengue reforça a hipótese de que muitos casos de oropouche foram diagnosticados como dengue, dada a semelhança clínica entre as duas doenças.
As modelagens espaço-temporais também revelaram que fatores climáticos, como variações nos padrões de temperatura e precipitação, foram responsáveis por cerca de 60% da disseminação da febre oropouche. Diante desses resultados, os pesquisadores consideram que eventos extremos, como o El Niño, provavelmente desempenharam um papel crucial no surto registrado a partir de 2023.
De acordo com o artigo, as alterações nas condições climáticas podem impulsionar a propagação do vírus responsável pela febre oropouche. Isso acontece porque essas mudanças tendem a aumentar as populações de maruins, facilitar a transmissão do vírus das fêmeas para seus filhotes e ainda potencializar a replicação viral em um número maior de animais.
Febre de Oropouche
A Febre do Oropouche é uma infecção causada pelo vírus de mesmo nome, pertencente ao gênero Orthobunyavirus. O vírus foi identificado no Brasil pela primeira vez na década de 1960, principalmente na região Amazônica. Com o avanço dos exames diagnósticos, atualmente tem sido detectado em diversas outras regiões do país.
Frequentemente confundida com a dengue, devido à semelhança entre os sintomas, a febre do Oropouche tem como principal vetor o mosquito Culicoides paraensis, conhecido popularmente como maruim ou mosquito-pólvora. Esse inseto se reproduz em ambientes com água parada e é encontrado tanto em áreas silvestres quanto urbanas.
Entre os principais sintomas da doença estão febre, variando entre 38 e 39,5 graus Celsius, dor de cabeça, dores musculares e articulares, além de erupções na pele, caracterizadas por vermelhidão e inchaço. Tontura, calafrios e fotofobia, condição que causa desconforto ou dor ocular em ambientes iluminados, também são comuns. Náuseas, vômitos e episódios de diarreia complementam o quadro clínico. Em situações mais graves, pode haver complicações como meningite viral e hemorragias. Normalmente, os primeiros sinais aparecem entre quatro e oito dias após a infecção e podem se estender por até duas semanas.

A transmissão do vírus ocorre por meio de dois ciclos distintos. No ambiente silvestre, animais atuam como hospedeiros, enquanto mosquitos das espécies Coquillettidia venezuelensis e Aedes serratus servem de vetores para disseminar o vírus. No meio urbano, o ser humano torna-se o principal hospedeiro, sendo a propagação feita principalmente pelo mosquito Culicoides paraensis, embora o Culex quinquefasciatus também possa desempenhar esse papel.
O diagnóstico da febre do Oropouche é realizado por meio de avaliação clínica e testes laboratoriais. Na fase aguda da doença, que vai do segundo ao sétimo dia após o início dos sintomas, recomenda-se a realização do teste RT-PCR. A partir do quinto dia de manifestações clínicas, exames sorológicos são os mais indicados para confirmar a infecção.
As principais precauções para prevenir a febre do Oropouche envolvem evitar locais com acúmulo de lixo e água parada, além de aplicar repelentes nas áreas expostas da pele. Também é fundamental manter os ambientes limpos e livres de potenciais criadouros de mosquitos, como água parada em recipientes.
Incidência
O risco de aumento da transmissão da febre oropouche é mais elevado nas regiões costeiras do Brasil, especialmente entre os estados do Espírito Santo e Rio Grande do Norte, além de uma faixa que se estende de Minas Gerais ao Mato Grosso, sem contar a região Amazônica. Os pesquisadores alertam que, nas áreas com risco elevado de transmissão do vírus, onde ainda não foram registrados casos, é essencial intensificar a vigilância para compreender melhor os surtos atuais e se preparar para os futuros.
O estudo também recomenda que os testes diagnósticos para a febre oropouche sejam priorizados. Além disso, as estratégias de controle vetorial, que já são usadas para reduzir a proliferação do mosquito Aedes aegypti, precisam ser adaptadas para incluir os maruins. Os cientistas também destacam a importância de novos estudos sobre a doença e o desenvolvimento de uma vacina.