Puerpério: o desafio fÃsico e emocional da recuperação pós-parto
Em 2024, ao menos 62 mulheres perderam a vida em decorrência de infecções puerperais


O puerpério é o perÃodo que se inicia logo após a saÃda da placenta e se estende até que o corpo da mulher retorne ao estado de não gravidez. Esse intervalo, que costuma durar entre 42 e 45 dias, é tradicionalmente associado à recuperação fÃsica do parto, mas, na prática, envolve uma série de mudanças hormonais, fisiológicas e emocionais que variam de mulher para mulher e que nem sempre cessam nesse prazo.
Durante o puerpério, o corpo passa por alterações intensas: o útero reduz de tamanho gradualmente, ocorrem contrações uterinas, há um sangramento vaginal natural (lóquio), mudanças no funcionamento intestinal, além de flacidez abdominal, inchaço e desconfortos Ãntimos, especialmente em mulheres que passaram por parto normal com episiotomia ou cesárea. Sintomas como cólicas, dores nos seios, cansaço extremo e até febre são comuns, já que o organismo precisa de tempo para se reorganizar após o parto.
Contudo, o impacto emocional vivido nesse perÃodo é igualmente relevante. A queda repentina de hormônios como progesterona e estrogênio favorece episódios de instabilidade emocional. O chamado “baby blues”, uma melancolia leve que acomete entre 50% e 85% das mulheres nos primeiros dias após o nascimento é caracterizado por choro fácil, tristeza sem motivo claro, ansiedade leve e distúrbios no sono. Apesar de transitório, esse quadro exige atenção. Quando os sintomas se prolongam por semanas ou se intensificam, pode tratar-se de depressão pós-parto, que acomete até 10% das mulheres e precisa de acompanhamento médico.
A rotina exaustiva de cuidados com o bebê, que demanda atenção constante para dormir, se alimentar e estar em segurança intensifica o desgaste. Muitas mulheres relatam dificuldade em equilibrar o autocuidado e a dedicação ao recém-nascido. Em meio a esse cenário, surgem sentimentos de culpa e solidão, especialmente quando não há uma rede de apoio presente. A ausência de ajuda para tarefas simples, como cozinhar, limpar ou mesmo cuidar da criança por alguns minutos, pode agravar o cansaço e o sofrimento psÃquico da puérpera.
Outro ponto delicado é a amamentação. Embora essencial e cercada de expectativas, esse processo pode ser doloroso, frustrante e desafiador. Problemas com fissuras nos mamilos, inflamações e a angústia de não produzir leite suficiente são relatos comuns entre mães de primeira viagem e, por vezes, fonte de grande ansiedade.
Especialistas vêm defendendo uma abordagem mais ampla do puerpério, que vá além do perÃodo tradicional de 40 a 45 dias e considere também o chamado “puerpério tardio”, que pode ultrapassar os 60 dias. Nessa nova perspectiva, o foco não é apenas a recuperação fÃsica, mas também o bem-estar emocional e a adaptação à nova identidade materna. É nesse momento que a presença de profissionais de saúde, familiares e uma rede de apoio empática e acolhedora se torna fundamental.
Infecção
Sinais como dores persistentes mesmo após o uso de medicamentos, febre contÃnua, presença de secreções na incisão cirúrgica e vermelhidão intensa ao redor da ferida podem indicar infecções no perÃodo pós-parto. Essas infecções, especialmente quando ocorrem na região da cesariana ou do parto normal, estão entre as principais causas de mortalidade materna após o nascimento do bebê.
Dados do Painel de Monitoramento da Mortalidade Materna, elaborado pelo Ministério da Saúde com base nas informações do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), mostram que, somente em 2024, ao menos 62 mulheres perderam a vida em decorrência de infecção puerperal. Já o Painel de Óbitos de Gestantes e Puérperas do Observatório Obstétrico Brasileiro (OOBr) aponta que 400 mortes maternas ocorreram no puerpério em 2023, sendo 399 até o 42º dia após o parto e uma no perÃodo entre 43 dias e um ano.
No ano anterior, 2023, o total de mortes maternas registradas no puerpério foi de 742, todas dentro dos primeiros 42 dias após o parto. O OOBr acompanha e sistematiza dados de óbitos de gestantes e puérperas desde 1996, e os números mais recentes reforçam a importância de vigilância e cuidados adequados no pós-parto.