Ofensiva da Câmara contra STF pode tensionar Poderes
O caso da suspensão da ação penal contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) levantou o debate sobre interferência do Poder Judiciário em pautas legislativas

A animosidade entre o Legislativo e o Judiciário voltou à tona em Brasília. O clima entre o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF) — que já protagonizaram diversos embates envolvendo as emendas parlamentares, especialmente no mandato do ex-presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) — tensionou novamente após o caso da suspensão da ação penal envolvendo o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ).
Após a Câmara aprovar, com 315 votos favoráveis, a suspensão da ação penal contra Ramagem por golpe de Estado, alegando a imunidade parlamentar do deputado, a 1ª Turma do STF julgou o caso. No entendimento do Supremo, Ramagem deve responder pelos crimes que teria cometido antes de assumir seu mandato na Casa Baixa, divergindo do parecer dos deputados, que creem na suspensão completa da ação. A partir disso, o desentendimento entre os Poderes acirrou os ânimos e a Câmara iniciou uma ofensiva.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), protocolou uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) na tentativa de levar a análise do caso para o plenário do Supremo. O paraibano garantiu que a Casa espera que “os votos dos 315 deputados sejam respeitados”. Na sequência, em tom de crítica à decisão, ele completou: “A harmonia entre Poderes só ocorre quando todos usam o mesmo diapasão e estão na mesma sintonia”.
Em conversa com a CNN, Motta afirmou que não existe mal-estar entre a Câmara e o Supremo e descartou uma possível crise institucional. O parlamentar garantiu que “o clima é de zero animosidade”. Porém, a medida do republicano não foi a única investida dos deputados contra o Judiciário.
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A leitura é que a insatisfação não se dá apenas pela situação de Ramagem, e sim pelas interferências do Supremo nas prerrogativas do Legislativo. Com o novo episódio de interferência, uma retaliação é debatida nos bastidores da Casa. Os deputados ensaiam retirar da gaveta a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita os poderes das decisões monocráticas — aquelas tomadas por um único ministro. A PEC das decisões monocráticas deve ganhar força na Câmara nesta semana e, caso a tramitação avance, uma comissão especial deve ser instalada para analisar o projeto.
A situação expõe que, além de Motta priorizar um bom relacionamento com todas as forças da Casa que preside — já que o assunto é de interesse da oposição alinhada ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de deputados insatisfeitos com as interferências do Supremo —, o republicano reage em favor da força política da Casa Baixa. Motta tem perfil moderado e conciliador, porém, já indica que irá lutar para que as decisões do Supremo não atropelem as decisões tomadas pela Câmara.
A postura do presidente da Casa agradou a base bolsonarista. Os parlamentares estão insatisfeitos com a postura de Motta perante ao projeto da anistia e a reação do paraibano frente a situação de Ramagem foi um afago na relação conturbada. A proximidade do deputado com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e os ministros do governo não agradam Bolsonaro e companhia. Logo, a movimentação a favor de Ramagem — e possivelmente do ex-presidente, também acusado por golpe de Estado — é, também, vista como estratégica, do ponto de vista dos relacionamentos que Motta precisa gerir. (Especial para O Hoje)