Incêndio no lixão expõe crise ambiental em Piracanjuba e falhas na gestão
Fogo persiste, moradores denunciam abandono e autoridades locais admitem falhas históricas na política de destinação do lixo
O lixão de Piracanjuba, na Região Sul do Estado, está em chamas desde o dia 6 de junho e a fumaça densa, combinada com o forte odor, já se espalha por várias regiões do município. Moradores de propriedades rurais vizinhas, motoristas que trafegam pela via próxima e produtores da região denunciam o caos ambiental e a ausência de ações efetivas da prefeitura para conter o incêndio.
Segundo a moradora Angelita Gonçalves, a fumaça tem prejudicado a saúde dos vizinhos e ameaçado plantações, além de colocar em risco animais e propriedades e ainda motoristas que trafegam pela GO-147 nas margens do lixão.
Na tarde de segunda-feira, 23 de junho, o fogo invadiu uma lavoura de milho em uma fazenda ao lado do lixão. O Corpo de Bombeiros foi acionado, mas apenas conteve as chamas superficiais. Moradores e o próprio produtor precisaram agir, com tratores e mangueiras, para impedir a destruição da lavoura.
A reportagem do O HOJE entrou em contato com a Prefeitura de Piracanjuba para esclarecer a situação e questionar a ausência de maquinários para o combate mais efetivo ao fogo. Em nota, a prefeita Lenízia Canedo afirmou que os incêndios no lixão são um problema histórico, herdado de gestões anteriores.
Disse ainda que a prefeitura tem atuado diariamente com caminhões-pipa, tratores e equipes da Secretaria de Meio Ambiente e Obras, e que está em andamento um projeto para construção de uma nova área de descarte de resíduos, com apoio de emendas parlamentares.
Ação no Ministério Público de Goiás
Apesar do discurso, a população segue indignada. A produtora rural Maria Gonçalves Pinto procurou o Ministério Público de Goiás (MP-GO) para denunciar o problema. Em seu relato, mencionou que as queimadas já afetaram seus animais, sua produção de milho e a saúde da família, além do temor de contaminação de uma mina d’água usada na propriedade. O MP confirmou que o caso já é acompanhado judicialmente e que medidas preliminares foram tomadas, como ofícios ao Corpo de Bombeiros e notificação ao Município.
A Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) informou, em nota, que Piracanjuba chegou a protocolar o encerramento do lixão em agosto de 2024, mas arquivou o processo em janeiro deste ano. Em abril, um novo pedido foi feito e está em análise. Fiscalização realizada em março confirmou que o local segue operando como lixão a céu aberto, sem qualquer adequação ambiental.
A Semad também reforçou que o município foi autuado em 2014 por lançamento inadequado de resíduos sólidos urbanos, com multa diária de R$ 1.000,00. O débito está inscrito em Dívida Ativa. Mesmo assim, nenhuma ação efetiva foi implementada para solucionar a questão de forma definitiva.
Ainda segundo a Semad, as ações de roçagem e aceiro ao redor do lixão foram informadas pela prefeitura como medidas preventivas, mas elas têm se mostrado insuficientes diante da magnitude dos incêndios recorrentes.
Lixões persistem em Goiás e no Brasil apesar de leis e programas nacionais
Goiás ainda enfrenta o desafio de eliminar cerca de 113 lixões ativos, mesmo com o Decreto 10.367/2023, que instituiu o programa Lixão Zero. O Estado possui 71 processos de licenciamento em andamento. O prazo final para encerramento dos lixões foi prorrogado para junho de 2025. Apesar dos avanços, especialistas apontam falhas nas políticas e falta de fiscalização efetiva.
Segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil ainda possui mais de 2.500 lixões ativos. Os prejuízos ambientais e à saúde pública são alarmantes, especialmente em regiões como o Centro-Oeste, onde muitos municípios de menor porte enfrentam limitações técnicas e orçamentárias para aderir a soluções sustentáveis.
A situação em Piracanjuba é reflexo de um problema estrutural nacional: a ausência de planejamento e a fragilidade no cumprimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010). Essa legislação estabelece metas para a extinção dos lixões, a implementação de aterros sanitários e a ampliação da coleta seletiva, mas seu cumprimento tem sido lento e desigual.
Especialista defende fim dos lixões e alerta para riscos ambientais
Para o gestor ambiental e biólogo Juliano Tadeu, os lixões geram contaminações de solo, água e ar, além de afetarem diretamente a fauna, a flora e a saúde da população. Ele defende a aplicação rigorosa da legislação ambiental vigente e a implementação de um sistema integrado de tratamento de resíduos.
Segundo o especialista, a reciclagem e a coleta seletiva também são fundamentais. Com incentivo público, educação ambiental e infraestrutura para triagem, é possível reaproveitar materiais como papel, vidro, plástico e metais, reduzindo o volume destinado aos aterros. Juliano ressalta que investir em políticas de incentivo pode reduzir significativamente o montante de lixo despejado em áreas inadequadas.
Outro caminho é a compostagem de resíduos orgânicos, que representam mais de 50% do lixo doméstico brasileiro. Esse material pode ser transformado em adubo natural, benéfico para a agricultura e paisagismo. A compostagem comunitária e em escolas pode ser uma forma de engajamento da população desde cedo na educação ambiental.
Eliminar os lixões e substituí-los por aterros sanitários regularizados. Embora ainda não sejam a solução ideal, esses aterros contam com impermeabilização, drenagem de chorume e captação de gases, minimizando os impactos ambientais.
Em centros urbanos maiores, as usinas de valorização energética também são uma opção. Elas transformam resíduos não recicláveis em energia, através de incineração controlada. Embora caras, são eficientes e comuns em países como Japão e Alemanha. Essa alternativa é viável principalmente para regiões metropolitanas com alto volume de geração de resíduos.
A logística reversa e a economia circular completam esse modelo. Fabricantes devem ser responsabilizados pelo recolhimento de produtos pós-consumo, como eletrônicos, medicamentos, baterias e pneus. Isso reduz a geração de lixo desde a origem e incentiva práticas sustentáveis na indústria.
Juliano reforça que nenhuma solução isolada é suficiente. “Precisamos de uma política de Estado, não de governo, com aplicação da legislação, participação popular e envolvimento dos três poderes. Sem isso, o prejuízo continuará nas costas da população.”
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