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sexta-feira, 18 de julho de 2025
grifes globais

Couro de luxo e desmatamento: marcas internacionais são ligadas a violações na Amazônia

Relatório revela conexões entre grifes globais, desmatamento ilegal e trabalho análogo à escravidão no Brasil

Luana Avelarpor Luana Avelar em 26 de junho de 2025
Foto: Freepik
Foto: Freepik

Uma investigação divulgada pela ONG britânica Earthsight revela que marcas de luxo como Prada, Louis Vuitton, Coach, Timberland e até montadoras como BMW estão conectadas, direta ou indiretamente, à destruição da Amazônia. O couro usado em seus produtos — bolsas, sapatos e estofados de automóveis — tem origem, em parte, em áreas desmatadas ilegalmente no Brasil, maior exportador mundial de couro cru e semiacabado. O relatório aponta para um sistema estrutural de “lavagem” da origem do couro, que oculta o vínculo com crimes ambientais e violações de direitos humanos.

Em 2023, o Brasil exportou cerca de US$ 1,3 bilhão em couro bovino. Os principais destinos foram Itália, Alemanha e China, países responsáveis por abastecer o mercado de bens de alto padrão. A produção começa nas pastagens, muitas delas abertas por desmatamento ilegal, ocupação irregular de terras públicas e exploração da mão de obra. A cadeia passa por curtumes brasileiros, alguns certificados apenas parcialmente ou sem controle eficaz de rastreabilidade, antes de o couro ser enviado ao exterior.

Apesar da existência de ferramentas como o Guia de Trânsito Animal (GTA) e o Sistema Brasileiro de Identificação Individual de Bovinos e Bubalinos (SISBOV), o sistema de rastreamento cobre apenas a última fazenda por onde passou o animal. Isso permite que gado oriundo de áreas ilegais seja “esquentado” ao ser transferido para propriedades legalizadas antes do abate — prática recorrente conhecida como triangulação. O relatório mostra que, em diversos casos, o couro obtido em fazendas com histórico de desmatamento no Pará e em Mato Grosso foi rastreado até produtos de grandes marcas internacionais.

Além do impacto ambiental, a cadeia produtiva do couro no Brasil carrega um histórico persistente de exploração de trabalho. Entre 2018 e 2023, mais de 2.100 trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão em fazendas de pecuária associadas à produção de couro, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego. A violação de direitos se soma à devastação ambiental, configurando um cenário de degradação sistêmica alimentado por lacunas regulatórias e pela demanda global por matéria-prima barata.

As marcas mencionadas na investigação responderam com comunicados que reafirmam seu compromisso com a rastreabilidade e padrões éticos, mas reconhecem limitações. O grupo LVMH (proprietário da Louis Vuitton e Fendi), por exemplo, declarou ao New York Times ter “tolerância zero com desmatamento ilegal”, embora admita que “a rastreabilidade total ainda não é possível em todos os casos”. A Coach, por sua vez, afirma que 70% de seu couro vem do Brasil, mas não divulga seus fornecedores. Já a BMW, após ser citada no relatório, anunciou uma revisão de sua cadeia de suprimentos.

Diante da pressão internacional, políticas de regulação começam a surgir. A União Europeia aprovou, em 2023, uma lei que proíbe a importação de produtos ligados ao desmatamento, incluindo o couro. A legislação, que entra em vigor integralmente em 2025, exigirá comprovação da origem dos produtos importados, criando uma barreira comercial a empresas que não adotarem cadeias limpas.

Organizações ambientais, movimentos indígenas e setores da sociedade civil têm cobrado reparações e o direito à consulta prévia a comunidades afetadas por atividades comerciais em seus territórios. Entre as alternativas consideradas viáveis para a transformação do setor estão a rastreabilidade total da cadeia produtiva, certificações livres de desmatamento, incentivo a curtumes sustentáveis, redução do consumo, valorização de materiais alternativos como biocouro e couro vegetal, além da responsabilidade compartilhada entre governos, empresas e consumidores.

Em novembro, o Brasil receberá a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), que será sediada em Belém, no Pará. A conferência deve lançar luz internacional sobre os impactos da cadeia do couro e pressionar empresas, produtores e governos a adotar medidas efetivas de controle, transparência e justiça socioambiental.

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