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Saúde

A febre dos remédios fáceis

O uso descontrolado de medicamentos sem prescrição se tornou rotina entre brasileiros e já provoca mortes, intoxicações e resistência a antibióticos

Luana Avelarpor Luana Avelar em 6 de julho de 2025

Tomar um comprimido por conta própria para dor de cabeça, febre ou ansiedade virou prática corriqueira no Brasil. A automedicação está tão normalizada que já não causa espanto: cerca de 90% da população recorre a medicamentos sem prescrição, segundo levantamento do Conselho Federal de Farmácia. Mais da metade o faz com regularidade. A frequência preocupa especialistas porque não se trata apenas de um desvio pontual, mas de um hábito consolidado e socialmente aceito.

Entre os efeitos mais visíveis estão as intoxicações. Dados do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas mostram que os medicamentos lideram os registros de internações por intoxicação no país. São mais de 30 mil casos por ano. Outro levantamento, da Associação Brasileira das Indústrias Farmacêuticas, estima que cerca de 20 mil brasileiros morrem anualmente em decorrência da automedicação. Trata-se de uma epidemia, difícil de rastrear, mas presente em farmácias, supermercados e nas gavetas de casa.

A facilidade de acesso aos remédios, a autoconfiança do paciente e a lentidão do sistema de saúde compõem o cenário. Quando o atendimento médico exige espera, o balcão da farmácia se apresenta como alternativa. Entre os idosos, a prática é ainda mais arriscada: o uso combinado de medicamentos para hipertensão, diabetes e dores crônicas favorece interações perigosas e efeitos colaterais graves.

O problema se agravou durante a pandemia. A disseminação de medicamentos sem comprovação científica, no rastro do chamado kit covid, reforçou a percepção de que o remédio é uma saída legítima mesmo sem prescrição. Pior: consolidou o uso político da automedicação, transformando decisões técnicas em apostas ideológicas. O resultado foi o aumento da resistência a antibióticos, o comprometimento de órgãos vitais e o atraso no diagnóstico de doenças mais complexas.

A maioria dos brasileiros busca orientação na internet antes de ingerir qualquer medicamento. Sem filtro ou checagem de fontes, as pessoas se expõem a orientações equivocadas. A crença no saber do vizinho, no conselho da avó ou na recomendação de um influenciador digital ganhou mais força que a opinião médica. A banalização do consumo de substâncias químicas criou um ambiente onde a saúde é tratada por tentativa e erro.

É preciso reconstruir uma cultura do cuidado, em que o corpo não seja apenas silenciado por fármacos, mas ouvido com atenção. O remédio, afinal, não é um fim em si mesmo. Ele deveria ser uma ponte entre o sintoma e a cura, não um atalho que termina em sobrecarga hospitalar.

Enquanto o Brasil seguir automedicando sua dor, o sistema continuará tratando as consequências e ignorando as causas. E, como mostram os números, há um preço alto sendo pago por esse alívio imediato.

 

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