Arena cultural no Jóquei Clube gera impasse entre revitalização e preservação histórica
Plano de transformar edifício projetado por Paulo Mendes Rocha em espaço multiuso é questionado por arquitetos, que alertam para riscos de descaracterização
A decisão da Prefeitura de Goiânia de desapropriar o antigo Jóquei Clube e transformá-lo em uma arena multiuso com vocações culturais, tecnológicas e esportivas vem sendo apresentada como símbolo da nova fase de revitalização do Centro da Capital. Para o prefeito Sandro Mabel, a proposta de criação do Palácio da Cultura é uma forma de preservar a história e ao mesmo tempo impulsionar o desenvolvimento urbano e econômico da região.
“Pretendemos fazer ali uma área cultural. Preservar aquele patrimônio todo, a arquitetura que é diferenciada. Esse é o primeiro objetivo. Cidade que não tem patrimônio, que não tem história, não é uma cidade. Nós temos que revitalizar o Centro, sem tirarmos a história que está lá. O Jóquei Clube é uma dessas peças”, afirmou Mabel.
O edifício, projetado pelo renomado arquiteto Paulo Mendes da Rocha, é considerado um marco da arquitetura brasileira. Para o Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás (CAU-GO), “a preservação do projeto original […] é prioritária. Sua obra representa não apenas um legado cultural, mas um marco na história da arquitetura nacional”. Nesse sentido, qualquer intervenção precisa manter a integridade estrutural e material do prédio, com alterações mínimas e reversíveis. “Adaptações para novos usos precisam ser mínimas e reversíveis, evitando descaracterizações”, alerta o Conselho. O decreto de utilidade pública que autoriza a desapropriação foi publicado em 19 de julho. O plano é transformar o local em um centro de cultura e inovação.
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A proposta de requalificação também ganhou apoio do governador Ronaldo Caiado. “O Jóquei Clube largado daquela maneira como está é um desperdício. O Estado vai entrar em parceria com o prefeito Sandro Mabel para resgatar aquele espaço, criando uma nova dinâmica funcional naqueles prédios e contribuindo com a revitalização do Centro de Goiânia”, afirmou.
Apesar do apoio político, arquitetos alertam que a simples transformação em espaço multiuso pode gerar distorções quanto ao uso original e o valor simbólico do edifício. Para o CAU/GO, “é necessário o levantamento do inventário detalhado, documentar todos os elementos originais (revestimentos, esquadrias, estrutura)”, bem como “promover intervenções não invasivas, respeitar a escala e volumetria e usar materiais compatíveis”. O Conselho também defende “a participação de especialistas, através do envolvimento de arquitetos, restauradores e consultores em patrimônio histórico”.
A Prefeitura ainda não informou prazos para a elaboração do projeto executivo ou início das obras, mas garante que o plano respeitará o Plano Diretor da cidade. O CAU/GO reconhece que a proposta “alinha-se com as diretrizes do Plano Diretor que priorizam a requalificação de imóveis históricos”, mas ressalta que é preciso “assegurar que as mudanças de uso não gerem impactos negativos (como tráfego excessivo), garantir a sustentabilidade ambiental e respeitar as normas de proteção ao patrimônio”.
A discussão sobre o uso do Jóquei Clube como ponto de partida para revitalizar o Centro também esbarra em outro projeto paralelo: o governo estadual negocia a compra da sede regional da Caixa Econômica Federal, próxima ao clube, e planeja construir duas torres no estacionamento do Jóquei para instalar um novo centro administrativo.
A estimativa inicial é de R$ 500 milhões, podendo chegar a R$ 1 bilhão. Embora ainda não haja acordo fechado, o vice-governador Daniel Vilela já sinalizou positivamente à proposta, afirmando que o novo complexo “vai colaborar com o resgate do Centro da nossa Capital”.
Para o CAU-GO, a transformação do Jóquei pode ser positiva se feita com responsabilidade. “A transformação em Palácio da Cultura tem potencial para revitalizar o Centro de Goiânia […]. No entanto, é essencial que o projeto inclua a acessibilidade universal, a integração com o transporte público e políticas de segurança e manutenção contínua”. A entidade propõe a criação de um comitê multidisciplinar para acompanhar as obras e reforça a importância da iniciativa como parte das comemorações dos 100 anos do estilo Art Déco em Goiânia. “A requalificação do Jóquei Clube pode ser um eixo central das celebrações […]. Sugerimos a criação de circuitos culturais que conectem o Palácio da Cultura a outros monumentos Art Déco”.
Com mais de 11 mil metros quadrados de área construída, o antigo Jóquei está abandonado há mais de uma década. Torná-lo um espaço público é visto como forma de resgatar sua importância histórica e social. Mas, como alerta o CAU/GO, “mais do que recuperar um prédio, trata-se de recuperar um pedaço da história de Goiânia, com responsabilidade e planejamento urbano integrado”.