Como o tarifaço redesenhou a relação de Lula com o Congresso
Reação nacionalista à ofensiva de Trump fortaleceu Lula e abriu margem para recompor apoio no Congresso. Especialistas dizem que o Centrão já começou a abandonar Bolsonaro e seguir o “cheiro da popularidade”
Bruno Goulart
A poucos dias do tarifaço anunciado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que elevou as taxas de importação de produtos brasileiros para até 50%, o ambiente político em Brasília era de tensão. Com queda contínua na popularidade e sem maioria sólida, o presidente Lula da Silva (PT) enfrentava sinais de deserção dentro do próprio Congresso. Mas o jogo virou — e rápido.
A ofensiva econômica de Trump, vendida como resposta ao que o norte-americano chama de “perseguição judicial” ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), teve efeito oposto ao esperado. Uniu campo empresarial, moderados e até setores do Centrão em torno de uma pauta nacionalista que, ao final, turbinou a imagem de Lula. Agora, o Planalto entra no segundo semestre com mais espaço para negociação com o Legislativo. Pelo menos por enquanto.
A análise é de especialistas ouvidos pelo O HOJE. Para o professor Francisco Tavares, da Faculdade de Direito da UFG e doutor em Ciência Política pela UFMG, a relação entre Executivo e Legislativo no Brasil combina fatores estruturais e conjunturais. “O Congresso sempre vai vender mais caro o seu apoio à Presidência da República, porque já não tem tanto a ganhar participando do governo, uma vez que cada parlamentar já consegue controlar alguma fatia do orçamento que lhe é relevante, por exemplo, para viabilizar sua reeleição. Isso é estrutural. Parlamentares também precisam vencer eleições”, afirma.
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A virada acontece justamente aí: a popularidade de Lula deixou de ser um problema imediato. “As medidas de Trump permitiram uma união entre uma centro-direita, o centro e a centro-esquerda que está no poder. Vai ser muito mais fácil para o governo agora, com a bandeira do nacionalismo e da garantia dos interesses do empresariado, conquistar apoio inclusive de parlamentares situados ao centro”, explica Tavares.
Para o cientista político, se o governo conseguir conter os impactos econômicos das tarifas, que hoje estimam uma redução de 0,38% no PIB de 2026, a tendência é de estabilidade política. “Tudo somado, o governo tende a ter melhores condições de negociação com o Congresso, porque está mais popular.”
“Perseguidor de multidão”
A leitura é reforçada por Luiz Carlos Fernandes, especialista em marketing político: “Político é perseguidor de multidão. Para onde é que a multidão está indo? Ele vai para onde a multidão está. Nenhum Congresso enfrenta um presidente com alta popularidade. Agora vai ficar mais fácil para Lula governar e se reeleger. O Trump deu um presentão para Lula”.
Segundo Fernandes, a dificuldade enfrentada por Lula nos dois primeiros anos de mandato pode ter chegado ao fim, desde que o presidente saiba explorar o novo momento com habilidade. “Se ele se mantiver nesse patamar e conseguir utilizar o marketing político do jeito que ele está usando agora, vai ser um brinde. O Centrão já está pulando fora do barco do Bolsonaro. Agora é a tal liquidação: vai ser preso, a anistia foi pro ralo.”
Isolamento progressivo
Além disso, o analista aposta no isolamento progressivo da extrema direita, o que inclui nomes que sonham com o Planalto em 2026: “As consequências vão vir, econômicas também, e aí vai ser jogada a fatura nas costas do Bolsonaro e do grupo dele. Fica difícil para [Ronaldo] Caiado (UB), Tarcísio [de Freitas (Republicanos-SP)] e [Romeu] Zema (Novo-MG) ficarem contra o Bolsonaro, então está sendo mais fácil ainda pro Lula ganhar.”
A política, porém, não permite garantias. Uma eventual piora da economia, outro embate judicial ou nova crise institucional pode reorganizar as forças novamente. Mas, por ora, Lula tem o vento — e o Congresso — a seu favor. (Especial para O HOJE)