Reforma do Código Civil pode excluir cônjuge da herança
Proposta prevê que, na presença de filhos ou pais do falecido, o cônjuge não herdaria automaticamente os bens, manteria apenas direitos como meação e direito de habitação
A proposta de reforma do Código Civil, em análise no Congresso Nacional, provoca intensa discussão sobre o futuro do direito sucessório no Brasil. Um dos pontos mais controversos do projeto é a possibilidade de excluir o cônjuge ou companheiro do rol de herdeiros necessários na presença de descendentes ou ascendentes.
Atualmente, a legislação brasileira garante que filhos, netos, pais, avós e cônjuge compartilhem obrigatoriamente metade do patrimônio do falecido, a chamada legítima. Caso a reforma seja aprovada, o viúvo ou viúva só herdará os bens se houver testamento que o inclua, mantendo, entretanto, o direito à meação de acordo com o regime de bens adotado no casamento.
O que muda na prática
A mudança gera preocupações quanto à proteção do cônjuge sobrevivente, principalmente em famílias em que ele depende financeiramente do falecido ou não possui patrimônio próprio.
A advogada Apoliana Moreira de Morais, explica que a reforma traz impactos significativos na vida de viúvos e viúvas. “Na prática, o cônjuge não poderia ser herdeiro e meeiro ao mesmo tempo, exceto no regime universal ou parcial de bens, e apenas receberia 50% dos bens. Já em situação vulnerável, ele não teria direito à herança dos bens adquiridos durante o casamento, o que pode gerar enorme sofrimento, especialmente se tratar de imóveis essenciais, como a residência familiar, ou se o cônjuge tiver deficiência física”, alerta.
Segundo a especialista, a exclusão do cônjuge como herdeiro necessário pode aumentar as disputas judiciais e gerar insegurança financeira para quem perde a proteção legal.
Atualmente, o cônjuge é considerado herdeiro necessário junto de descendentes e ascendentes, recebendo parte dos bens além da meação, conforme o regime de bens do casamento. Com a reforma, na presença de filhos ou pais do falecido, o cônjuge só terá participação na herança se houver testamento que o inclua, mantendo apenas a meação sobre bens comuns adquiridos durante o casamento nos regimes parcial ou universal.
Essa mudança preocupa especialistas porque pode gerar desproteção em casos de casamentos longos, onde o cônjuge sobrevivente não possui renda própria, ou em situações de mulheres que se dedicaram exclusivamente à família.
Risco de desproteção e disputas judiciais para cônjuges economicamente dependentes
O impacto da reforma será sentido principalmente por cônjuges que dependem economicamente do parceiro falecido. Apoliana enfatiza: “Imaginemos uma mulher que se dedicou exclusivamente à família ao longo de anos e agora se vê sem proteção legal sobre o patrimônio do parceiro falecido. A ausência do direito como herdeiro necessário poderá gerar insegurança financeira, litígios familiares e até obrigá-la a vender bens essenciais, como a residência do casal, para dividir com ascendentes ou descendentes”.
Além disso, a especialista alerta que o número de processos no Judiciário tende a aumentar, pois a ausência de regras claras sobre a herança direta do cônjuge pode gerar disputas e questionamentos legais.
Entre os mais afetados estão cônjuges que não têm filhos em comum com o falecido, mas este deixou filhos de outros relacionamentos, ou casais que não formalizaram planejamento sucessório. “
A exclusão do cônjuge como herdeiro necessário pode gerar insegurança e instabilidade financeira, especialmente se não houver planejamento patrimonial adequado. Já temos casos de litígios envolvendo amantes ou doações realizadas em vida que podem complicar ainda mais a divisão do patrimônio”, acrescenta a advogada.
Direitos permanecem, mas planejamento patrimonial é essencial
Apesar da polêmica, a reforma não extingue todos os direitos do cônjuge sobrevivente. Entre os garantidos, estão a meação, benefícios previdenciários e o direito real de habitação. Na comunhão parcial de bens, o cônjuge mantém metade dos bens adquiridos durante o casamento.
Na comunhão universal, tem direito à metade de todo o patrimônio, independentemente da origem dos bens. Já o direito real de habitação assegura que o cônjuge possa permanecer residindo no imóvel familiar, mesmo que não herde integralmente a propriedade. Benefícios previdenciários, como pensão por morte e benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ou previdência privada, continuam garantidos.
A advogada Apoliana alerta, no entanto, que esses direitos podem ser insuficientes para garantir segurança financeira ao cônjuge sobrevivente se não houver planejamento patrimonial.
“A retirada do cônjuge do rol de herdeiros necessários só faria sentido em situações onde já exista meação robusta e autonomia testamentária consciente. Na prática, muitas uniões no Brasil não possuem contrato, testamento ou planejamento sucessório, o que pode gerar desproteção e injustiça”, afirma.
O tema reforça a importância do planejamento patrimonial. Especialistas recomendam que casais avaliem cuidadosamente o regime de bens antes de oficializar a união e considerem a elaboração de testamentos.
No Brasil, os regimes mais comuns são comunhão parcial de bens, comunhão universal e separação total de bens, além de regimes especiais como separação obrigatória ou participação final nos aquestos. Na separação total de bens, cada cônjuge mantém patrimônio próprio, mas a herança ainda inclui herdeiros necessários como filhos, pais e, atualmente, o cônjuge, dependendo da legislação vigente.
Mulheres são a parte mais prejudicada
A reforma prevê que o cônjuge não herdará automaticamente na presença de descendentes ou ascendentes, o que aumenta a necessidade de planejamento. “Mesmo nos regimes de comunhão ou universal, a nova lei exige testamento para garantir a inclusão do cônjuge, o que altera a dinâmica sucessória brasileira”, explica Apoliana.
A discussão sobre a reforma também destaca questões de gênero, já que mulheres, que muitas vezes vivem mais e dependem financeiramente do parceiro, podem ser mais prejudicadas. Além disso, a mudança estimula a criação de testamentos e o planejamento sucessório, mas também aumenta o risco de conflitos familiares e processos judiciais.
A sociedade deve acompanhar de perto os desdobramentos e buscar orientação jurídica adequada para mitigar impactos negativos e assegurar a proteção do cônjuge sobrevivente.
Especialistas recomendam que casais acompanhem a tramitação da proposta e adotem medidas de proteção patrimonial, como testamentos e contratos claros, para evitar surpresas e garantir que os direitos do cônjuge sobrevivente sejam preservados.
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