Infertilidade impõe cobrança desigual às mulheres
Especialista destaca como pressões sociais e familiares ampliam o sofrimento e defende acolhimento como forma de cuidado
A infertilidade, realidade enfrentada por milhões de casais no Brasil, ultrapassa os limites dos tratamentos médicos e expõe um território de dor pouco debatido: o impacto emocional e a desigualdade da cobrança social entre homens e mulheres. Para a psicóloga perinatal e pesquisadora Thalyta Laguna, o problema não se restringe à ausência de gravidez. Ele alcança a saúde mental, a autoimagem, os relacionamentos e a forma como a sociedade e a família se posicionam diante do tema.
Os números reforçam a complexidade. Estudos indicam que cerca de 40% dos casos de infertilidade estão relacionados a fatores masculinos. Ainda assim, são as mulheres que seguem como alvo principal da investigação clínica e da pressão social. “A pressão se acumula dia após dia, e o sofrimento se deposita não apenas em seus corpos, mas também em seus pensamentos”, observa Thalyta.
Segundo a especialista, embora os homens também sofram, esse sofrimento tende a ser silencioso, contido por barreiras culturais que desestimulam a exposição da vulnerabilidade. “Eles sofrem, muitas vezes, calados; e, por falta de espaço ou por exigência cultural, tendem a internalizar suas angústias.” A disparidade aparece no olhar externo: enquanto os homens são poupados de julgamentos e perguntas invasivas, as mulheres são cobradas a todo instante, vistas como responsáveis por responder a expectativas familiares e sociais.
Dentro de casa, o ambiente que deveria funcionar como espaço de apoio frequentemente se transforma em foco de cobrança. Questões como “quando virão os netos” ou comparações com outras gestações reforçam a sensação de inadequação. “Cada tentativa frustrada representa uma perda real, e o luto não é menor só porque não pode ser visto”, afirma Thalyta. A pressão disfarçada em conselhos simplistas — como recomendações de paciência ou fé — fragiliza ainda mais a saúde mental feminina.
A especialista defende que a família pode ser também um elemento de cuidado, desde que haja validação das emoções e respeito ao tempo de cada casal. Acolher, evitar comparações e compreender que a infertilidade envolve perdas são passos para transformar uma experiência dolorosa em um processo menos devastador.
“Se não souber o que falar, ofereça um abraço. Ele costuma dizer tudo”, conclui Thalyta, sintetizando o que considera um gesto capaz de romper o ciclo de cobranças e abrir espaço para o apoio.