Juventude negra concentra 73% das mortes violentas no Brasil
Levantamento da Fiocruz mostra que pretos e pardos são maioria absoluta entre as vítimas; desigualdade social e ausência de políticas de prevenção explicam a persistência do quadro
Os números são brutais: entre 2022 e 2023, 73% das mortes de jovens por causas externas no Brasil recaíram sobre pretos e pardos. Em dois anos, 61.346 jovens negros perderam a vida vítimas de homicídios, acidentes e agressões. O dado, revelado por levantamento da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), confirma a continuidade de um padrão histórico de violência seletiva, em que a cor da pele e a condição social definem quem está mais exposto à morte precoce.
O estudo, realizado pela Agenda Jovem Fiocruz (AJF) e pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), analisou informações do Sistema Único de Saúde (SUS) e estatísticas do IBGE. Foram 128.826 óbitos de jovens entre 15 e 29 anos no período, dos quais 84.034 ocorreram por causas externas. A taxa de mortalidade entre jovens de 20 a 24 anos chegou a 390 por 100 mil habitantes, uma das mais altas do mundo.
Entre homens negros, o índice específico é de 227,5 mortes violentas por 100 mil. As notificações hospitalares reforçam o cenário: 47% dos registros correspondem a agressões físicas, 15,6% a violência psicológica e 7,2% a violência sexual. Pretos e pardos representam 54,1% de todas as notificações de violência no SUS. Quanto mais jovens as vítimas, maior a prevalência de violência física; à medida que envelhecem, cresce a proporção de violência psicológica.
As desigualdades de gênero também são marcantes. Meninas de 15 a 19 anos estão entre as mais atingidas, com destaque para Distrito Federal e Espírito Santo, onde a proporção chega a um caso de violência para cada 100 mulheres. Nos óbitos, armas de fogo e objetos cortantes aparecem como principais meios.
A vulnerabilidade se amplia ainda mais quando se considera a deficiência. Um em cada cinco casos registrados envolveu jovens com transtornos mentais, de comportamento ou deficiência intelectual. A sobreposição de exclusão social, racismo e deficiência compõe um quadro de risco elevado.
Para os pesquisadores, os dados não deixam dúvidas: a juventude negra permanece no centro da violência letal brasileira. O fenômeno se explica por fatores que combinam desigualdade socioeconômica, racismo estrutural e ausência de políticas públicas efetivas de proteção e prevenção. Trata-se de um ciclo que se repete e se aprofunda a cada geração.
O contraste é que, no Brasil, a indignação raramente acompanha esses números. A morte cotidiana de jovens negros nas periferias é tratada como estatística, enquanto tragédias que atingem camadas mais privilegiadas provocam comoção imediata. O levantamento mostra que a violência não é fruto do acaso: ela segue marcadores claros de raça, território e classe social. Romper esse padrão exige mais do que indignação momentânea, requer políticas públicas consistentes, capazes de enfrentar a desigualdade que transforma juventude em alvo.