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sexta-feira, 5 de dezembro de 2025
Saúde

Alopecia e saúde mental

Novo estudo aponta que o sofrimento psicológico da doença não se explica pelos fios perdidos, mas pelo estigma e pela forma como o paciente vive a condição

Luana Avelarpor Luana Avelar em 4 de setembro de 2025
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A queda abrupta de cabelo, em falhas circulares no couro cabeludo ou nas sobrancelhas, costuma ser reduzida a um detalhe estético. No entanto, a alopecia areata vai muito além da superfície. É uma enfermidade autoimune crônica, inflamatória e imprevisível, que compromete não apenas os fios, mas também a vida emocional de quem convive com ela. Ansiedade, depressão, vergonha e isolamento social acompanham muitos pacientes, e uma nova pesquisa indica que a intensidade desse sofrimento pouco se relaciona com a gravidade clínica.

Entre 2021 e 2024, quase 600 pessoas diagnosticadas com alopecia areata participaram de um estudo conduzido no Reino Unido e publicado no British Journal of Dermatology. Os resultados impressionam: mais de 80% relataram sintomas de ansiedade ou depressão, um terço declarou prejuízo direto em atividades cotidianas como trabalho, estudo e vida social, e 42% disseram sentir dores ou desconfortos físicos associados ao quadro. Mais da metade afirmou experimentar vergonha frequente pela aparência. O achado central, no entanto, foi outro: a forma como cada paciente interpreta a doença influencia mais o bem-estar psicológico do que a extensão da área afetada. Pequenas falhas foram suficientes para provocar sofrimento tão intenso quanto perdas extensas.

Essa constatação abala a lógica biomédica tradicional. A severidade da doença é geralmente classificada pela quantidade de pele descoberta, medida em centímetros quadrados. Mas a experiência subjetiva resiste a métricas. Para alguns, uma falha mínima equivale a um abismo social; para outros, áreas extensas podem ser encaradas com relativa serenidade. A variável decisiva, sugere o estudo, está menos nos fios caídos e mais no peso atribuído a eles.

A pesquisa britânica identificou dois perfis predominantes. O grupo chamado de angustiado relatou altos níveis de estresse, isolamento e sensação de perda de controle. Já o grupo de enfrentamento mostrou maior resiliência emocional, menor carga de sofrimento e capacidade de adaptação. A distinção é necessária para orientar abordagens clínicas, já que medicamentos e loções não bastam diante de um quadro que envolve corpo, mente e relações sociais. Psicoterapia, redes de apoio e informação pública tornam-se ferramentas tão relevantes quanto o arsenal farmacológico.

A alopecia areata é apenas uma entre mais de cem formas conhecidas de alopecia. Sua incidência global ao longo da vida é estimada em cerca de 2% da população. Pode surgir em qualquer idade ou sexo, mas é mais comum antes dos 40 anos. O distúrbio ocorre quando o sistema imunológico, por razões ainda pouco compreendidas, passa a atacar os folículos capilares, interrompendo o crescimento dos fios. O resultado são áreas circulares de queda, geralmente indolores, mas que podem se expandir de forma imprevisível. Embora não cause risco direto à vida, a condição frequentemente se associa a outras doenças autoimunes, como vitiligo e problemas de tireoide, e apresenta curso flutuante, com períodos de recuperação parcial seguidos de recaídas.

O diagnóstico é clínico, feito por dermatologistas com auxílio de dermatoscopia e, em casos específicos, biópsia do couro cabeludo. Ainda não existe cura definitiva. Os tratamentos disponíveis, corticosteroides tópicos ou injetáveis, imunossupressores e novas drogas imunomoduladoras em teste, variam de acordo com a extensão das falhas e a resposta individual. Mesmo com avanços terapêuticos, nenhum deles elimina a dimensão social e psicológica do adoecimento.

No Brasil, a Sociedade Brasileira de Dermatologia atualizou recentemente suas diretrizes e passou a incluir o impacto emocional como critério de gravidade, rompendo com a visão restrita a áreas afetadas. Nos consultórios, cresce o hábito de incorporar perguntas sobre autoestima, ansiedade e qualidade de vida nas consultas. É um sinal de mudança: reconhecer que a alopecia não se mede apenas em fios ausentes, mas no modo como a perda capilar altera relações pessoais e sociais.

A percepção coletiva, porém, segue como obstáculo central. Muitos desconhecem a doença e comentários desinformados ou depreciativos aprofundam o sofrimento dos pacientes. Campanhas de conscientização, ao expor o tema à esfera pública, tornam-se fundamentais para quebrar estereótipos e reduzir o estigma. 

Infelizmente, a doeça se manifesta também nos olhares, nos julgamentos e nos estigmas que corroem tanto quanto a inflamação autoimune. A pesquisa britânica sugere que a medicina precisa abandonar a ilusão de neutralidade e reconhecer que saúde não se restringe a parâmetros clínicos. O que está em jogo é a experiência vivida de cada paciente. Em última instância, não são apenas os fios que caem: é a identidade que se fragiliza sob o olhar social. 

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