Suicídio entre adolescentes cresce mais rápido que em outras faixas etárias no Brasil
Estudo da Fiocruz revela aumento constante de casos de 10 a 19 anos, realidade intensificada durante a pandemia
Uma pesquisa sobre mortalidade por suicídio no Brasil revela que os casos entre adolescentes têm crescido em ritmo mais acelerado do que em outras faixas etárias. O estudo de tendência temporal, conduzido por pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), analisou o período de 2000 a 2022 e constatou aumento da proporção de suicídios em relação ao total de mortes em todos os grupos observados. O avanço, entretanto, foi mais intenso entre jovens de 10 a 19 anos.
Os dados constam no relatório técnico Adolescência e suicídio: um problema de saúde pública, organizado por Raphael Mendonça Guimarães, Nilson do Rosário Costa e Marcelo Rasga Moreira. A análise utilizou informações do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM/SUS) e calculou taxas de mortalidade em diferentes grupos: adolescentes (10 a 19 anos), jovens adultos (20 a 29 anos), jovens no geral (10 a 29 anos), adultos incluindo jovens (20 anos ou mais) e adultos sem jovens (30 anos ou mais).
No período estudado, o suicídio representou, em média, 4,02% das mortes entre pessoas de 10 a 29 anos. Entre adultos com 30 anos ou mais, a taxa foi bem menor, de 0,68%. Entre adolescentes, a proporção chegou a 3,63%, enquanto entre jovens adultos ficou em 4,21%. Apesar de historicamente menor, a incidência entre adolescentes cresceu de forma constante até se igualar à dos jovens adultos em 2019. Desde então, os índices passaram a ser mais altos entre os mais novos.
O avanço coincide com a pandemia de Covid-19. Para a psicóloga Dra. Brenda Brandão, a crise sanitária foi um marco para a saúde mental dos mais jovens. “No primeiro ano da pandemia, a prevalência global de ansiedade e depressão cresceu 25%, de acordo com a OMS. O isolamento social, o medo da doença, as perdas familiares e as dificuldades financeiras criaram um estresse sem precedentes, especialmente para adolescentes”, explica.
Ela ressalta que a solidão, a ausência de contato escolar e comunitário e até a sobrecarga dos profissionais de saúde tiveram impacto direto no aumento de casos de ideação suicida.
Brenda lembra que outros fatores contemporâneos também influenciam o cenário. “O uso excessivo de telas, a pressão por desempenho acadêmico e a cobrança social contribuem para a ansiedade, a baixa autoestima e os distúrbios de sono. Problemas como cyberbullying e a busca por uma ‘vida perfeita’ nas redes sociais fragilizam ainda mais os adolescentes”, analisa.
Esse contexto dialoga com o alerta feito pelo pesquisador da Fiocruz Raphael Guimarães, para quem os jovens sofrem mais intensamente os efeitos de crises econômicas, mudanças climáticas e incertezas sobre o futuro. “Esses elementos geram insegurança e dificultam a construção de planos de longo prazo”, afirma.
A psicóloga também chama atenção para os sinais mais comuns do sofrimento psíquico. Entre eles, estão mudanças bruscas de comportamento, isolamento social, irritabilidade, perda de motivação, queda no rendimento escolar, distúrbios de sono e apetite, dores sem causa médica aparente, automutilação e uso abusivo de álcool ou drogas.
“Um jovem que deixa de se relacionar com os amigos, se isola e passa a permanecer mais tempo em casa deve ser observado e, se necessário, encaminhado a um profissional. Essas mudanças não podem ser ignoradas”, enfatiza.
Brenda avalia que ainda há falhas na rede de atenção à saúde mental voltada para adolescentes. “Faltam campanhas direcionadas aos pais e responsáveis, que os ajudem a identificar sinais de sofrimento e a acolher os jovens. A adolescência é um período de transição marcado por mudanças hormonais, conflitos de identidade e pressões sociais. É fundamental que haja compreensão e suporte dos adultos”, destaca.
O psiquiatra Salomão Rodrigues, conselheiro federal, reforça que a prevenção depende do diálogo e da vigilância coletiva. “É preciso conversar, ouvir e estar atento. O suicídio é um problema de saúde pública que exige envolvimento de toda a sociedade”, diz.
Especialistas destacam sinais de alerta e importância da escuta
Especialistas em saúde mental e organizações internacionais como a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde apontam medidas essenciais que familiares e pessoas próximas podem adotar na prevenção do suicídio. O primeiro passo é reconhecer sinais de alerta, como isolamento social, mudanças bruscas de comportamento, falas recorrentes sobre desesperança, queda no desempenho escolar ou profissional, uso abusivo de álcool e drogas e atitudes incomuns, como distribuir bens ou preparar testamento.
Outro ponto fundamental é oferecer escuta sem julgamentos. Permitir que a pessoa fale sobre seus sentimentos, sem críticas ou interrupções, pode reduzir a sensação de solidão. Também é importante incentivar a busca por ajuda profissional, seja com psiquiatras e psicólogos ou nos serviços públicos de saúde mental, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).
Os especialistas lembram que a prevenção inclui escuta sem julgamentos, fortalecimento dos vínculos familiares e redução do acesso a meios letais. No Brasil, o CVV (188) oferece atendimento gratuito e sigiloso 24 horas por dia. Pelo Sistema Único de Saúde (SUS), é possível buscar apoio em Unidades Básicas de Saúde (UBS), CAPS, UPAs e pronto-socorros.
“Ser escutado e cuidado será sempre a fórmula necessária para aliviar o sofrimento e devolver motivação ao paciente”, conclui Brenda.