Paulo Henriques Britto assume cadeira 30 da ABL com histórico fardão de Candido Mendes
Poeta, tradutor e professor da PUC-Rio, autor de 14 livros e tradutor de clássicos, é o mais novo imortal da Academia Brasileira de Letras
Na noite de sexta-feira (12), Paulo Henriques Britto tomou posse na cadeira 30 da Academia Brasileira de Letras. Poeta, contista, ensaísta e tradutor, ele sucede a escritora Heloisa Teixeira, morta em março, e passa a integrar, aos 72 anos, o quadro de imortais da instituição. Sua eleição reforça a presença da poesia e da tradução no centro do debate literário brasileiro.
Britto construiu uma trajetória marcada pela criação literária e pelo trabalho como tradutor. Publicou 14 livros, oito de poesia, entre eles Macau (2003), vencedor do Prêmio Portugal Telecom, e Tarde (2007). Antologias de sua obra saíram em inglês (2007) e sueco (2014). Em 2021, Portugal recebeu a edição reunida de seus poemas, e em 2023 o ensaio A tradução literária foi publicado em espanhol no Chile. Seus versos unem coloquialismo e reflexão meticulosa sobre a escrita, em diálogo constante com tradições nacionais e estrangeiras.
Paralelamente, traduziu cerca de 120 títulos de autores de língua inglesa, entre eles Jonathan Swift, Charles Dickens, Henry James, Virginia Woolf, V. S. Naipaul, Thomas Pynchon e James Baldwin. Também verteu poesia de Byron, Wallace Stevens, Elizabeth Bishop e Frank O’Hara. Esse trânsito entre línguas sustenta sua atuação como professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, onde leciona há mais de quatro décadas nos cursos de tradução, literatura e criação literária.
A cerimônia de posse foi marcada por um gesto simbólico. A médica Margareth Dalcolmo, viúva do acadêmico e jurista Candido Mendes, ofereceu a Britto o fardão que pertenceu ao marido, morto em 2022. “Paulo Henriques era o tradutor de Candido, se gostavam muito. Tenho certeza que o Candido está honrado de ver seu fardão com o amigo”, disse.
Britto recebeu a oferta como honra rara. “Foi uma iniciativa que me deixou muito honrado. Conhecia muito os dois, traduzi textos do Candido para o inglês e minha mulher, Santuza, era a melhor amiga da filha dele, Maria Isabel.” O traje exigiu apenas ajustes discretos: a calça foi apertada e as fitinhas douradas, já gastas, substituídas. Margareth contou ter chorado ao retirar os bordados das comendas antes de entregar o fardão limpo ao novo acadêmico.
Nascido no Rio de Janeiro em 1952, Britto viveu nos Estados Unidos em dois períodos, entre 1962 e 1964 e entre 1972 e 1973. O domínio do inglês adquirido nesses anos foi decisivo para sua carreira. Formou-se em português e inglês na PUC-Rio, onde também concluiu o mestrado. Sua estreia literária ocorreu em 1982, com Liturgia da Matéria, livro que marcou o início de uma obra caracterizada pela constância formal e pela reinvenção de gêneros tradicionais.
Em Macau, apresentou a série Sete Sonetos Simétricos, na qual tensiona a forma clássica ao incorporar temas cotidianos. Já em Trovar Claro, o poema 19 de janeiro transforma a voz de um foragido em soneto, unindo lirismo e narrativa. Além da poesia, publicou contos em Paraísos Artificiais (2004) e ensaios em Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua (2009), inspirado no álbum de Sérgio Sampaio.
Ao ser recebido na ABL, Britto leva consigo quatro décadas de magistério, uma obra literária consolidada e o reconhecimento como um dos tradutores mais importantes do país. Sua posse simboliza a continuidade de uma tradição que alia invenção poética, reflexão crítica e diálogo com a literatura mundial.