Mulheres negras ganham protagonismo no Festival Diaspóricas
Festival reúne shows, oficinas, feira de afroempreendedoras e mostra de curtas em homenagem a Anadir Cezario e Marta Cezaria
O Centro Cultural Martim Cererê, em Goiânia, recebe neste fim de semana o 1º Festival Diaspóricas de Cinema e Música Negra, iniciativa que destaca o protagonismo feminino negro nas artes e no empreendedorismo. A programação gratuita, marcada para sexta (20) e sábado (21), reúne shows, mostras de cinema, oficinas e feira de afroempreendedoras em um espaço que pretende se firmar como referência da cena cultural goiana.
O evento homenageia duas referências da luta antirracista em Goiás: Anadir Cezario, liderança comunitária e coordenadora do Grupo Dandara do Cerrado, e Marta Cezaria, cineasta pioneira e mestra da tradição afro-brasileira. Seus nomes batizam a Feira Anadir Cezario de Afroempreendedoras e a Mostra Marta Cezaria de Curtas-Metragens, símbolos de vidas dedicadas a fortalecer a cultura e a resistência negra.
Idealizado pela diretora e pesquisadora Ana Clara Gomes, o festival nasceu como desdobramento da série documental Diaspóricas, que lançou duas temporadas premiadas em festivais nacionais e internacionais. O projeto retrata musicistas negras goianas que utilizam a arte como forma de resistência às opressões de gênero e raça. “O Festival Diaspóricas nos permite criar conexões e redes que nos fortalecem como sujeitas, com trajetórias distintas, mas condições comuns diante de um sistema que nos oprime, seja pela opressão racial ou de gênero”, afirma Ana Clara.
A entrada é gratuita, mediante doação de um quilo de alimento não perecível. “A iniciativa oferece a possibilidade de criar uma rede de promoção dos nossos trabalhos, permitindo que a gente se conheça e tenha mais contato com o movimento local de artistas negras”, completa Ana Clara.
Feira e mostra
A Feira Anadir Cezario consolida o empreendedorismo feminino negro como vetor de autonomia. Anadir idealizou, na Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg), o projeto Mulheres que Transformam Lixo em Lucro, que capacitou garis e catadores a produzir artesanato com materiais recicláveis. Agora, a feira retoma esse espírito ao reunir estandes de moda, artesanato, gastronomia e práticas de bem-viver conduzidos por mulheres negras.
A Mostra Marta Cezaria resgata a trajetória da cineasta que, aos quase 60 anos, lançou Se eu fosse uma flor (2013), documentário que reuniu 152 entrevistas com mulheres negras em quilombos goianos. A homenagem pretende estimular novas produções audiovisuais em uma região marcada historicamente pela invisibilidade. “Esse espaço de fortalecimento é necessário para que a gente se reconheça como uma força conjunta, permitindo que a gente se veja como potência de ação que faz as coisas acontecerem tanto no campo profissional quanto no afetivo”, diz Ana Clara.
Formação e oficinas
O caráter formativo aparece em oficinas que antecedem o evento. O produtor Igor Zargov ministra Trilha Sonora para Cinema, curso sobre técnicas de áudio, enquanto a fotógrafa Mayara Varalho conduz Câmera Off – Formação Continuada de Making Of, dedicada à prática de captação e edição.
Música preta brasileira
No Palco Afrogoianianidade, a sigla MPB ganha novo sentido: Música Preta Brasileira. Na sexta (20), Mundhumano e artistas da série Diaspóricas abrem os shows. No sábado, o palco será de Flávia Carolina, Dona da Roda e do espetáculo Diaspóricas 2.
“Além da importância para cena da cidade, como divulgação da nossa arte e espaço de acolhimento de corpos pretos e suas musicalidades, arte e moda, fazer parte desse movimento fortalece os nossos vínculos. Quem não conhecia passa a conhecer, e isso é a beleza dos encontros”, afirma Flávia Carolina.
O festival também lança o álbum autoral Diaspóricas, com composições inéditas de Érika Ribeiro, Nina Soldera, Sonia Ray e Lene Black. “O Diaspóricas, em todas as suas extensões que tem se desdobrado, se firma como algo grandioso pela sua necessidade no nosso estado, diante da falta de conhecimento e pertencimento da história do povo preto em solo goiano”, avalia Érika.
Protagonismo e ruptura
Para Ana Clara, a força do evento reside no ineditismo de colocar o protagonismo feminino negro no centro da narrativa cultural. “Acredito que a proposta de espelhar esse protagonismo da mulher negra na sociedade por meio das artes, já é uma forma de rompimento das violências estruturais que nos deixam sempre às margens, como figuras subalternizadas”, conclui.
Mais que um festival, o Diaspóricas busca firmar-se como espaço de continuidade, onde arte, memória e política se cruzam. No Martim Cererê, mulheres negras conquistam não só visibilidade, mas o direito de narrar sua presença no cinema e na música.