Chuvas intensas, como as que caíram na terça-feira, reforçam problemas na drenagem na Capital
Plano Diretor de Drenagem segue atrasado, mas prefeitura intensifica medidas emergenciais, revitalização de bueiros e canalização de córregos
Com a chegada das chuvas, Goiânia volta a enfrentar o desafio histórico dos alagamentos. A Coordenação Municipal de Proteção e Defesa Civil mapeou 135 pontos críticos de inundações para o período de novembro de 2024 a abril de 2025.
Os locais concentram risco elevado de enxurradas, deslizamentos e danos ao patrimônio. A lista foi entregue à Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Habitação (Seinfra) para que intervenções preventivas sejam executadas antes do pico das chuvas.
“Esse levantamento é fundamental para orientar ações emergenciais”, explica Robledo Mendonça de Farias, coordenador municipal de Proteção e Defesa Civil. “Levamos cada ponto à Seinfra, que define o tipo de intervenção – limpeza, desobstrução de bueiros, manutenção ou obra definitiva”, continua.
Só neste ano foram limpas 24.330 bocas de lobo, 79.444 metros de ramais, 401 poços de visita e 678 bueiros, retirando 3.555 toneladas de entulho. A população precisa colaborar, porque muito do que entope vem do lixo descartado irregularmente.”
Enquanto age de forma emergencial, a prefeitura enfrenta um gargalo estrutural. O Plano Diretor de Drenagem Urbana de Goiânia (PDDU-GYN), firmado em 2023 entre a gestão do ex-prefeito Rogério Cruz e a Universidade Federal de Goiás (UFG), sofreu novo adiamento. Previsto para o fim de 2024, depois para o primeiro semestre de 2025, agora só deve ser concluído em fevereiro de 2026, segundo o 2º Termo Aditivo ao convênio nº 001/2023.
O documento é considerado peça-chave para atacar de forma definitiva os pontos de alagamento. Ele reúne dados técnicos, define obras prioritárias e projeta estratégias para o manejo sustentável das águas pluviais. A UFG também disponibilizará pesquisas e prestará assessoria técnica durante a implementação.
Segundo a Seinfra, o aditivo não aumenta gastos, apenas autoriza o uso de rendimentos financeiros da conta vinculada para custear etapas adicionais. “Trata-se de adequação no plano de trabalho”, informa a pasta.
Diante do atraso na conclusão do PDDU, o prefeito Sandro Mabel (UB) anunciou um pacote de medidas antecipadas para reduzir os impactos durante o período chuvoso. Entre as ações previstas está a canalização do Córrego Cascavel, em Campinas, com o objetivo de eliminar pontos de inundação, proteger encostas e aumentar a vazão da água. Além disso, a gestão firmou parceria com o aplicativo Waze para criar “barreiras digitais”, desviando o tráfego de motoristas das áreas alagadas em tempo real.
Complementando essas iniciativas, foi implementado um programa de zeladoria urbana, que inclui a revitalização de bueiros, poços de visita, contenção de erosão e recuperação de asfalto, buscando melhorar o escoamento das águas pluviais e reduzir os riscos de enchentes na cidade.
“A meta é enfrentar os pontos críticos enquanto aguardamos o plano diretor, que dará segurança definitiva aos goianienses”, afirmou Mabel em coletiva recente.
Com 135 pontos críticos identificados, um plano diretor em atraso e ações emergenciais em curso, Goiânia se prepara para um período chuvoso que pode pôr à prova sua capacidade de resposta.
Sistema inédito de alertas via celular reduz riscos de desastres naturais

Uma das apostas da Defesa Civil para reduzir riscos é a comunicação instantânea. No dia 27 deste mês será testado em Goiânia um novo sistema de mensagens sonoras via rede celular, que não exige cadastro prévio. A ferramenta “Defesa Civil Alerta” enviará, a todos os aparelhos 4G e 5G conectados, notificações acompanhadas de um sinal sonoro quando houver previsão de desastre.
“Esse sistema, inédito no Centro-Oeste, começa por Goiânia, Formosa, Cidade de Goiás e Itumbiara. No teste, às 15 horas, todos os celulares vão tocar um alerta explicando que é apenas simulação. A partir de 1º de outubro, passa a valer para situações reais”, detalha Robledo. O coordenador reforça que o serviço se soma ao envio de SMS e mensagens de WhatsApp para quem se cadastrar com o CEP.
O especialista ouvido pela reportagem defende que Goiânia precisa integrar drenagem urbana e planejamento ambiental para reduzir os alagamentos. O urbanista e ambientalista Fred Le Blue destaca a Marginal Botafogo como exemplo do risco de sobrecarga do sistema.
“O grande alagamento do início do ano mostrou que o muro de contenção pode desmoronar. Trechos da marginal precisaram ser interditados, assim como o Viaduto Mauro Borges. Esses eventos sinalizam falhas crônicas na drenagem urbana”, diz.
Para ele, soluções de infraestrutura verde são urgentes: “Jardins de chuva, bacias e trincheiras de infiltração coletam e armazenam a água, reduzindo o escoamento superficial. Áreas verdes urbanizadas públicas e privadas ajudam a manter o ciclo hidrológico equilibrado, enquanto programas de educação ambiental e reciclagem evitam entupimento de bueiros.”
Outro ponto levantado pelo urbanista é o projeto de substituição de grama natural por grama sintética em canteiros da cidade. “Áreas verdes com grama orgânica permitem maior infiltração e reduzem ilhas de calor. Já a grama sintética, mesmo perfurada, não garante vazão suficiente em chuvas intensas e pode agravar alagamentos”, explica. Segundo ele, além de comprometer a drenagem, o material artificial não realiza fotossíntese nem contribui para o microclima urbano.
A Defesa Civil reforça que a colaboração dos moradores é indispensável. “Não adianta emitir alertas se o lixo continua sendo jogado nas ruas e lotes baldios. Isso é arrastado para dentro do sistema de drenagem e causa entupimento”, alerta Robledo Mendonça.
O coordenador cita o caso do Ribeirão Anicuns, que recebeu limpeza, alargamento da calha e construção de diques para conter a água. “Mesmo assim, se as bocas de lobo entopem, a enxurrada não escoa. É um trabalho conjunto: poder público e cidadãos.”
Fred Le Blue observa que o adensamento acelerado de Goiânia, favorecido por instrumentos como a outorga onerosa, reduz os espaços para paisagismo e infiltração.
“O Plano Diretor de Goiânia precisa ser revisto sob a ótica do desenvolvimento sustentável para impedir que empreendimentos privados negligenciam áreas de recarga hídrica”, defende. “A cidade deve pensar não apenas em canalizar água, mas em retê-la e infiltra-la no solo.”
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