Crescimento dos aplicativos redefine o mercado de trabalho no Brasil
Número de motoristas e entregadores em plataformas digitais cresce 170% em dez anos. Goiás, apesar da redução na informalidade, mantém cenário de ocupações precárias
Nos últimos dez anos, o Brasil assistiu a uma verdadeira transformação em seu mercado de trabalho. O crescimento do trabalho por aplicativos, especialmente nas áreas de transporte de passageiros e entregas, aumentou 170% entre 2015 e 2025, segundo dados do Banco Central (BC). O salto foi de 770 mil para 2,1 milhões de pessoas, um contingente que hoje já representa 2,1% da população ocupada do País.
Esse movimento está diretamente ligado à informalidade, conceito que designa atividades sem registro em carteira, sem contribuição previdenciária e sem garantias trabalhistas, como férias e 13º salário. Apesar de ser uma alternativa de renda para milhões, a informalidade expõe o trabalhador a vulnerabilidades, como instabilidade de rendimentos e ausência de proteção social.
Segundo o Relatório de Política Monetária do BC, divulgado em setembro, os aplicativos tiveram impacto direto nos indicadores do mercado de trabalho. Em cenários simulados sem as plataformas, a taxa de desemprego, atualmente em 4,3%, poderia estar entre 4,9% e 5,5%. Isso porque parte significativa dos trabalhadores de aplicativos estariam desempregados ou fora da força de trabalho.
“O advento do trabalho por meio das plataformas digitais representa uma mudança estrutural no mercado de trabalho, que contribuiu para o maior ingresso de pessoas na força de trabalho e na ocupação, com efeitos positivos sobre os principais indicadores. O crescimento extraordinário da quantidade de trabalhadores por aplicativos resultou em elevação do nível de ocupação e da taxa de participação, além de uma redução da taxa de desocupação”, aponta o documento do BC.
Contudo, relatórios de instituições como o Fairwork Brasil e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) chamam atenção para a precarização das condições de trabalho. O estudo mostra que motoristas e entregadores enfrentam jornadas mais longas, queda da renda média e menor contribuição previdenciária. Entre 2012 e 2015, a renda média de motoristas autônomos de passageiros era de R$ 3,1 mil; em 2022, caiu para R$ 2,4 mil.
Goiás registra queda na informalidade
Enquanto o País presencia a explosão dos aplicativos, os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), analisados pelo Instituto Mauro Borges (IMB), revelam uma melhora significativa em Goiás.
No primeiro trimestre de 2025, o Estado registrou 1,36 milhão de trabalhadores informais, redução de 0,4% em relação ao trimestre anterior e de 1,3% na comparação anual. Com isso, a taxa de informalidade caiu para 35,1%, o menor nível da série histórica, equivalente ao mesmo patamar do segundo trimestre de 2024.
O Estado alcançou 3,87 milhões de pessoas ocupadas, crescimento de 0,3% frente ao trimestre anterior, com destaque para o aumento de 1,1% no número de empregados, que chegou a 2,82 milhões. A taxa de desocupação ficou em 5,3%, abaixo da média nacional de 7,0%, o que mantém Goiás entre os oito Estados com menor desemprego do País.
Apesar dos avanços estatísticos, na prática muitos trabalhadores ainda encontram dificuldades para conquistar estabilidade. É o caso do motorista por aplicativo João Ferreira, de 42 anos, que atua em Goiânia há seis anos.
“Eu entrei no aplicativo porque estava desempregado e precisava pagar as contas. No começo, até compensava. Hoje, com os custos da gasolina e a concorrência, trabalho quase 12 horas por dia para conseguir tirar o mesmo que ganhava em oito. Não tenho férias, não tenho décimo terceiro, se fico doente não recebo nada”, relata.
O depoimento de João ilustra a contradição vivida no País: enquanto indicadores de ocupação mostram melhora, a qualidade desses postos de trabalho ainda é questionável.
Embora os aplicativos tenham contribuído para reduzir o desemprego, a consolidação de empregos formais é apontada por especialistas como essencial para sustentar o crescimento econômico e garantir proteção social. O caso de Goiás mostra que políticas de incentivo ao trabalho formal podem reduzir a informalidade sem impedir a expansão de novos modelos de ocupação.
A tendência é que o número de trabalhadores de aplicativos continue crescendo no Brasil, consolidando-se como parte relevante da economia. Em 2025, o transporte por aplicativo já representa 0,3% do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), peso semelhante ao das passagens aéreas (0,6%).
Se, de um lado, a digitalização cria novas formas de inserção no mercado, de outro, reforça a necessidade de regulamentação. O debate sobre direitos trabalhistas para motoristas e entregadores está em pauta no Congresso Nacional e deve se intensificar nos próximos anos.
Enquanto isso, milhões de brasileiros seguem conectados diariamente às plataformas, equilibrando esperança e insegurança em uma rotina que, para muitos, se tornou a única alternativa de trabalho.