Arroz com feijão perde espaço no prato dos brasileiros
Pesquisa mostra queda histórica no consumo da dupla que marcou a identidade alimentar do país, em meio a mudanças de hábitos e novas dietas
O arroz com feijão, combinação que por décadas simbolizou a alimentação no Brasil, perdeu espaço no prato dos brasileiros. Estudo da Embrapa e de institutos de mercado mostra que, em 2025, o consumo dos dois grãos atingiu o menor nível desde os anos 1960.
O levantamento revela que o arroz, que em 1985 era consumido em média 40 quilos por pessoa ao ano, caiu para 28 quilos em 2023. O feijão seguiu trajetória semelhante, passando de 19 quilos para 12,8 no mesmo período. A retração ocorreu mesmo em cenário de queda de preços: em 2025, o arroz ficou 16,7% mais barato e o feijão preto recuou mais de 20%.
Rotina acelerada e ultraprocessados
A principal explicação para a queda, segundo o estudo, está na mudança de hábitos. A vida urbana encurtou o tempo destinado à cozinha. O preparo de arroz e feijão, que exige organização e paciência, vem sendo substituído por refeições rápidas, como pratos congelados, lanches em fast food e entregas por aplicativo.
Entre famílias de baixa renda, os ultraprocessados passaram a ocupar o lugar da dupla tradicional. Mais baratos e de preparo imediato, esses produtos se consolidaram como opção cotidiana, embora apresentem baixo valor nutricional. A tendência reforça desigualdades e aprofunda a insegurança alimentar em grupos vulneráveis.
Dietas e estética
O estudo aponta também a influência das dietas que ganharam força nos últimos anos, em especial as de baixo carboidrato. Nas redes sociais, discursos que privilegiam proteínas e condenam grãos tornaram-se populares entre os mais jovens. Nesse contexto, o arroz passou a ser visto como calórico e o feijão como dispensável.
Nutricionistas lembram, porém, que a combinação dos dois grãos oferece proteína completa, além de ferro, potássio e fibras. Trata-se de um dos pratos mais equilibrados do ponto de vista nutricional. A queda do consumo, segundo especialistas, é indicativo de perda de qualidade alimentar, com efeitos potenciais no aumento de doenças crônicas.
Impacto no campo
A retração também afeta o campo. Em diversas regiões do país, a produção de arroz e feijão é sustentada por pequenos agricultores, que dependem diretamente da demanda. A redução do consumo ameaça a viabilidade dessas lavouras, leva à diminuição de áreas plantadas e fragiliza a agricultura familiar.
Tradição em disputa
Mesmo em queda, a dupla continua a ocupar lugar central na identidade alimentar. No Nordeste, ganha forma de baião de dois; em Minas Gerais, se transforma em feijão tropeiro; no Sul, em arroz carreteiro. Em todas as versões, mantém-se a função de comida de base, associada a memória, afeto e pertencimento.
O setor de alimentação fora de casa ainda preserva parte dessa tradição. Estima-se que mais de 80 milhões de refeições com arroz e feijão sejam servidas diariamente em bares, restaurantes e lanchonetes do país. Redes populares transformaram o prato feito em modelo de negócio, mostrando que é possível conciliar conveniência e tradição.
Mais que alimento
O Dia Mundial da Alimentação, celebrado em 16 de outubro, recoloca o tema no debate público. Para a FAO, construir sistemas alimentares sustentáveis é prioridade global. No Brasil, essa agenda passa inevitavelmente pelo arroz e feijão. Além de nutritiva, a combinação tem baixo impacto ambiental e contribui para a fertilidade do solo.
Manter o prato no centro da mesa é também um gesto político. Significa valorizar a agricultura local, garantir acesso a comida saudável e resistir ao avanço dos ultraprocessados. Para especialistas, reverter a tendência de queda depende de políticas públicas que ampliem renda, melhorem condições de vida e incentivem o consumo de alimentos frescos.
O futuro da panela
A redução do consumo de arroz e feijão reflete mudanças sociais, mas também sinaliza riscos para a saúde coletiva e para a preservação da cultura alimentar brasileira. O prato que alimentou gerações e consolidou identidades hoje precisa disputar espaço com embalagens coloridas, dietas da moda e refeições instantâneas.
A continuidade da dupla dependerá da capacidade de conciliar tradição com praticidade e identidade cultural com as demandas do mundo urbano. Mais que matar a fome, arroz e feijão representam pertencimento. Sua permanência à mesa será também a permanência de uma memória coletiva que resiste à pressa e às transformações da vida moderna.

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