Estado bate recorde de safra de soja, mas produtores seguem pressionados por dívidas
Mesmo com produção histórica de soja e avanço em outras culturas, agricultores relatam dificuldade para acessar linha de renegociação de dívidas do governo federal
Goiás reforçou a sua posição como potência agrícola nacional em 2025, com safra recorde de grãos, impulsionada pela soja, ao mesmo tempo em que enfrenta alto endividamento. Embora o governo federal tenha lançado uma linha de crédito bilionária para produtores atingidos por eventos climáticos extremos, especialistas e produtores avaliam que o impacto no Estado será reduzido devido a critérios de acesso restritivos.
Segundo o 11º Levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produção de soja goiana chegou a 20,4 milhões de toneladas na safra 2024/25, 21,4% acima do ciclo anterior. O Estado se mantém como o terceiro maior produtor do País e líder em produtividade. A área cultivada avançou 2,5%, alcançando 4,9 milhões de hectares, e a produtividade subiu 18,4%, para 4,1 toneladas por hectare. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirmam o cenário, com 20,1 milhões de toneladas e produtividade média de 3.971 kg/ha.
Para o secretário Pedro Leonardo Rezende, da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Goiás (Seapa), os números refletem políticas públicas voltadas à inovação, crédito rural via FCO, que liberou R$ 4,4 bilhões desde 2019, além de condições climáticas adequadas e uso intensivo de tecnologia. Outras culturas também projetam expansão: o sorgo deve atingir 1,8 milhão de toneladas (alta de 20%), o milho 23,6%, o feijão 14,7% e o trigo 33,6%. A cana-de-açúcar pode chegar a 85,5 milhões de toneladas, avanço de 7,5%.

Custos da produção da soja
Apesar da safra histórica, o campo convive com forte endividamento. Para aliviar a situação, o Conselho Monetário Nacional aprovou a Resolução nº 5.247/2025, que destina R$12 bilhões para renegociação de dívidas contraídas até junho de 2024. Os juros variam de 2% a 6% ao ano, com prazo de nove anos e um de carência.
Na prática, porém, as exigências limitam a adesão. “O problema é que, para renegociar, estão pedindo garantias adicionais, como a hipoteca de propriedades. Muitos já têm imóveis comprometidos com outros financiamentos. A propaganda foi de que iria resolver a dívida do produtor, mas, no fim, está garantindo mais segurança ao sistema financeiro”, critica Arnoldo de Sousa Rates, produtor de soja em Palmeiras de Goiás.
O engenheiro agrônomo e consultor de mercados Enio Fernandes ressalta que apenas dois municípios goianos, Paraúna e Guarani de Goiás, atendem aos critérios da nova linha, que exige perdas superiores a 30% em duas safras consecutivas e reconhecimento oficial de desastre climático. A advogada Michele Lima, especialista em Direito do Agronegócio, concorda que a medida é paliativa: “É um alívio no curto e médio prazo, mas não resolve a vulnerabilidade estrutural do setor”.
Além da dificuldade de crédito, os preços também preocupam. “Hoje a saca da soja está em torno de R$118, mas, descontados os impostos, cai para R$115. Esse valor não cobre os investimentos feitos. O patamar justo seria entre R$140 e R$ 150”, relata Rates. Segundo ele, a defasagem se agrava porque os custos são dolarizados, enquanto a remuneração ocorre em reais. “Nossos insumos sobem em dólar, mas a soja não acompanha na mesma proporção. Ficamos descobertos”, explica.
O produtor também critica o chamado “Custo Brasil”. “Uma colheitadeira que nos Estados Unidos custa R$470 mil aqui chega a R$1,5 milhão, por causa de impostos e logística. Quem acreditou para produzir essas supersafras investiu em maquinário, mas agora enfrenta clima desfavorável e dívidas cada vez maiores”, afirma.
Para se manter ativo, muitos ampliam a área plantada. “É como pedalar numa subida: se parar, cai. O produtor aumenta a área para tentar cumprir compromissos, mas isso também amplia o endividamento”, resume Rates, que está na agricultura há 37 anos.
A recomendação de especialistas é que o crédito subsidiado seja usado para financiar seguros e tecnologias capazes de reduzir perdas futuras. Goiás mantém perspectivas promissoras referentes a produção da soja, milho, cana e pecuária, mas, diante de custos crescentes e dívidas acumuladas, parte dos produtores pode não conseguir permanecer na atividade nos próximos anos.
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