Banco do Brasil endurece crédito e põe em xeque apoio a produtores em recuperação judicial
Especialista afirma que decisão de crédito pode aprofundar crise e estigmatizar produtores que buscam proteção judicial para pagar dívidas
O Banco do Brasil (BB), maior financiador do agronegócio nacional, desencadeou uma onda de preocupação no setor após anunciar que irá restringir novas concessões de crédito a produtores rurais que ingressarem com pedidos de recuperação judicial.
A decisão, confirmada pela instituição em nota oficial, ocorre em meio ao aumento expressivo do número de produtores que recorrem a esse instrumento legal, e levanta um debate sobre os limites éticos e jurídicos das práticas bancárias diante de situações de crise financeira.
A polêmica teve início com a fala do vice-presidente de controles internos e gestão de riscos do BB, Felipe Prince, à Bloomberg News, publicada em 28 de outubro. Segundo o executivo, produtores que pedirem recuperação judicial “não terão crédito hoje, amanhã nem nunca mais”. Prince classificou o processo como “uma armadilha”, argumentando que o recurso à Justiça acaba impedindo o agricultor de financiar as próximas safras.
Os efeitos das declarações foram imediatos. De acordo com levantamento da Serasa Experian, o número de pedidos de recuperação judicial no campo cresce em ritmo acelerado: 565 registros apenas no segundo trimestre de 2025, um aumento de 31,7% em relação ao mesmo período do ano passado. Em 2024, o total chegou a 1.272 solicitações, mais que o dobro do observado em 2023. Dados do Broadcast Agro apontam que as dez maiores empresas em recuperação acumulam R$ 15,7 bilhões em dívidas até junho deste ano.
Em nota, o BB afirmou que a restrição é uma “medida usual” no mercado financeiro diante da elevação do risco de crédito. A instituição alegou que a decisão busca “garantir a sustentabilidade dos negócios, proteger os recursos dos acionistas e preservar a capacidade do banco de continuar financiando o setor de forma ampla e segura”. O BB também destacou que mantém programas de renegociação, como o BB Regulariza Agro, que oferece condições especiais para produtores enquadrados em medidas de reestruturação de dívidas.
Ainda assim, a postura da instituição foi recebida com críticas de advogados e representantes do setor. Para o especialista em recuperação judicial Eliseu Silveira, a decisão do banco pode gerar impacto negativo e estigmatizar quem busca regularizar sua situação financeira.
“Na prática, a atitude do banco é de que coloca o produtor rural no banco dos réus, bandidos e mau pagadores, mas se ele procura a justiça com uma recuperação judicial é para tentar pagar”, afirma Silveira. “Outro impacto é a mudança de paradigmas de cobranças.”
O advogado explica que, embora não exista uma regra do Banco Central que impeça o BB de adotar essa política, decisões semelhantes já foram consideradas abusivas pela Justiça. “Por exemplo, a lista negra interna do banco após uma renegociação, foi declarada abusiva utilizar dessa lista para negar financiamento”, lembra.
Segundo Silveira, os produtores em recuperação judicial ainda têm alternativas para buscar capital e manter suas atividades. Entre as opções estão traders, fornecedores de insumos, fundos de investimento e até o DIP Finance, modalidade que permite receber crédito de investidores durante o processo judicial, com prioridade de pagamento.
Endurecimento do crédito ocorre em momento delicado
O endurecimento do crédito ocorre em um momento delicado para o agronegócio brasileiro. Com a queda nos preços das commodities, a alta dos juros e o aumento dos desastres climáticos, muitos produtores enfrentam dificuldades para honrar compromissos.
Segundo o próprio BB, há R$ 5,4 bilhões em operações não quitadas devido a pedidos de recuperação judicial de 808 agricultores, um número pequeno diante do total de mais de um milhão de clientes rurais, mas suficiente para provocar ajustes internos.
Internamente, o Banco do Brasil também vem revisando suas garantias. A instituição passou a substituir hipotecas por alienação fiduciária, em que o credor mantém a propriedade da terra até o pagamento integral da dívida. Além disso, reduziu o prazo de contato com devedores de 30 para cinco dias e encurtou o tempo antes de acionar a Justiça. A estratégia, somada ao uso de inteligência artificial para classificar clientes conforme o risco de inadimplência, mostra o novo rigor do banco.
Para Silveira, o caminho para o produtor rural passa pela profissionalização da gestão, maior controle financeiro e planejamento mais realista sobre o retorno dos investimentos.
No entanto, especialistas alertam que a mudança de postura do BB pode reduzir a liquidez no campo e comprometer a produção agrícola em 2026.
O debate sobre o papel do Banco do Brasil como principal agente de crédito rural segue aberto. Enquanto a instituição reforça que busca equilíbrio e segurança, o setor produtivo teme que a rigidez atual acabe por estrangular justamente aqueles que mais precisam de apoio para se reerguer. O que está em jogo, dizem especialistas, é o futuro do financiamento agrícola brasileiro e a própria estabilidade de um dos pilares da economia nacional.