Mabel põe Goiânia sob pressão com terceirizações e reestruturação do serviço público
Diante de questões orçamentárias e pressões de órgãos de controle, Mabel intensifica a adoção de novos modelos de gestão e amplia vínculos com organizações sociais, o que gera críticas sobre transparência, impactos e velocidade das decisões
A Prefeitura de Goiânia, sob a gestão de Sandro Mabel (UB), implementou ao longo de 2025 uma intensa ofensiva administrativa, caracterizada pela ampliação acelerada de parcerias com organizações sociais (OSs) e entidades privadas. Essa estratégia, publicamente defendida como um “choque de eficiência”, foi colocada em prática em um período de significativa crise financeira no município, somada a crises operacionais notáveis, em especial na Saúde, e sob crescentes pressões de órgãos de controle.
Em um intervalo de menos de seis meses, a administração municipal redesenhou a gestão de maternidades, iniciou uma reestruturação profunda do Instituto Municipal de Assistência à Saúde dos Servidores (Imas), abriu caminho para a terceirização na educação infantil e lançou estudos visando à concessão de parques públicos. O ritmo e a amplitude dessas medidas suscitaram controvérsias, questionamentos legais e um escrutínio constante por parte tanto do Ministério Público (MP) quanto da Câmara Municipal.
O processo mais intenso de terceirização começou pela Saúde. No início de julho, o Hospital Municipal e Maternidade Célia Câmara (HMMCC) suspendeu partos por falta de pagamento a anestesistas, e a restrição de atendimentos se espalhou por outras unidades, exigindo respostas imediatas da gestão.
A Prefeitura de Mabel rompeu o contrato com a Fundação de Apoio ao Hospital das Clínicas (Fundahc) em 28 de julho e, no mesmo dia, criou uma comissão de transição pela Portaria nº 218. Em apenas três dias, novas gestoras foram escolhidas para assumir as maternidades em regime emergencial. A velocidade do processo gerou críticas, mas o município alegou urgência e risco assistencial para justificar a medida.
Três organizações sociais assumiram a administração das maternidades por três meses: duas de São Paulo e uma do Mato Grosso. O repasse total registrado no Portal da Transparência foi de R$ 38 milhões. A transição terminou no fim de agosto, mas as queixas continuaram.
Em novembro, Néia Vieira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Sistema Único de Saúde no Estado de Goiás (Sindsaúde/GO), afirmou que os profissionais ainda trabalhavam sob insegurança, com incertezas salariais, menos pessoal e relatos de mau atendimento. Pacientes apontaram demora nas emergências, especialmente nas unidades Dona Iris e Nascer Cidadão.
As OSs negaram as denúncias. O Instituto Patris disse ter feito cerca de 80 partos na primeira semana de novembro e garantiu estar em dia com obrigações trabalhistas. A Associação Hospitalar Beneficente do Brasil (AHBB) negou filas ou atrasos e cobrou agilidade, reforma estrutural e pagamento antecipado do piso da enfermagem. A Sociedade Beneficente São José citou melhorias como laboratório próprio e reforço das equipes. As divergências entre trabalhadores e gestores evidenciaram falhas de monitoramento e falta de transparência nos contratos emergenciais.
Paralelamente, o Imas, plano de saúde dos servidores, virou outro foco da reestruturação. Com dívida superior a R$ 145 milhões, o instituto foi duramente criticado por Mabel, que classificou sua gestão como “amadora” e afirmou que o órgão havia se tornado um “cabide de empregos”.
Em setembro, Mabel anunciou mudanças no regime jurídico do Imas, nas contribuições dos servidores, que hoje estão entre R$ 52 e R$ 662 e, especialmente, na gestão técnica. A meta é terceirizar essa gestão por licitação a partir de 2026, elevando a receita mensal de R$ 15 milhões para R$ 25 milhões.
O Ministério Público de Goiás (MP-GO) impôs um calendário rígido para acompanhar o processo. O Plano de Transformação Estrutural, essencial para garantir qualidade, profissionalização e regularização do quadro de pessoal, tinha prazo de entrega em 16 de outubro. Mabel e sua equipe apresentaram o documento ao MP-GO em 12 de novembro.
O procurador-geral do Município, Wandir Allan de Oliveira, destacou que o plano não prevê a extinção total do Imas nem sua terceirização completa. O foco é contratar empresas especializadas para áreas técnicas, como auditoria e regulação.
A prefeitura sob a gestão Mabel se comprometeu a enviar a versão final até 24 de novembro. Após a execução, o desempenho será avaliado por um ano. Se os resultados não forem alcançados, o órgão, que atende milhares de servidores, poderá ser mantido ou até extinto, ampliando críticas e incertezas entre sindicatos e beneficiários.
Mabel faz a ampliação das parcerias privadas gera controvérsias em diferentes áreas
A Educação Infantil entrou no ciclo de reestruturação com novas parcerias na gestão Mabel. Em 25 de julho de 2025, a prefeitura publicou a Portaria nº 0075/2024-SME, que credencia Organizações da Sociedade Civil (OSCs) para administrar novos Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs). A secretária Giselle Campos Faria apresentou a medida como necessária para ampliar vagas na creche e na pré-escola.
Em 1º de agosto, outra portaria definiu os repasses: o custo por aluno em período integral varia de R$ 600 a R$ 1,2 mil — valor máximo para crianças de até um ano, que exigem mais profissionais por sala. No período parcial, os valores caem pela metade. Há ainda um adicional de 50% para estudantes com necessidades especiais que precisam de cuidador individual e outro, também trimestral e de 50%, para melhorias estruturais e materiais pedagógicos.
A proposta gerou reação política. A vereadora Aava Santiago (PSDB) acionou o Ministério Público de Contas do TCM-GO pedindo a suspensão da portaria, alegando que ela permitiria uma terceirização ampla da educação infantil, violando limites legais e o caráter intransferível do dever do Estado.
Para ela, trata-se de uma “manobra para repassar o controle dos CMEIs públicos a instituições privadas” sem critérios e sem debate social. A SME negou, afirmando que as OSCs atuarão apenas em unidades novas, garantindo segurança jurídica e eficiência, sem substituir a rede existente.
A agenda de concessões também avançou para infraestrutura urbana. Em 19 de agosto, na inauguração de uma fonte no Parque Vaca Brava, o prefeito Mabel anunciou estudos para conceder a gestão de cerca de 11 parques públicos à iniciativa privada.
Mabel justificou a proposta citando a incapacidade municipal de manter adequadamente os espaços, como banheiros. Defendeu que empresas poderiam explorá-los economicamente em troca da manutenção, preservando o caráter público e o acesso gratuito. Críticas surgiram sobre o risco de elitização e os desafios de regulamentar atividades comerciais em áreas verdes que historicamente funcionam como espaços de convivência comunitária.
Com múltiplas frentes de mudanças avançando simultaneamente, a gestão Mabel busca consolidar a narrativa de modernização e eficiência para justificar alterações profundas na relação histórica entre o poder público e a provisão de serviços essenciais. A velocidade com que as decisões foram tomadas, as lacunas operacionais observadas no início da execução e os questionamentos jurídicos mostram que a ambiciosa reestruturação de Goiânia opera em um terreno instável.
A reportagem buscou por mais de uma vez a prefeitura de Goiânia para obter esclarecimentos, resultados e metas relacionadas a essas medidas tomadas pela gestão Mabel, mas não houve qualquer tipo de retorno até o fechamento deste texto. A pressão social e institucional tende a aumentar conforme essas medidas forem testadas na prática em áreas sensíveis como saúde, educação e espaços públicos, onde o impacto na vida da população é imediato.
Leia também: Goiás deflagra operações contra núcleo financeiro e logística do Comando Vermelho