Motta rompe silêncio e acelera votação do PL da Dosimetria
Votação avança e pode reduzir penas de condenados pelo 8 de janeiro. A decisão de Hugo Motta pegou o governo de surpresa e reacendeu tensões entre Câmara, Planalto e bancada bolsonarista
No início da tarde desta terça-feira, (9), o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), decidiu colocar em votação o Projeto de Lei da Dosimetria, relatado pelo deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), que reduz penas de condenados pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, mas não concede anistia. O governo federal recebeu a decisão de Motta com surpresa. Interlocutores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) relataram que o Palácio do Planalto não havia sido informado da intenção de votar o texto ainda nesta terça-feira. Na reunião de líderes realizada pela manhã, o ambiente foi de espanto.
A mudança ocorre em meio a cálculos apresentados pelo PL sobre possível diminuição do tempo de prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e à negociações de Motta com governo, oposição e lideranças partidárias para construir acordo ainda neste ano. A iniciativa de pautar o projeto foi anunciada por Hugo Motta após sessão com a imprensa. Questionado sobre eventual coordenação com o Senado para aprovação da matéria em 2024, o presidente da Câmara evitou detalhar articulações, afirmando que cabe exclusivamente aos deputados definir o que entra na agenda do Plenário. Motta também não respondeu se o lançamento da pré-candidatura de Flávio Bolsonaro (PL-RJ) influenciou a decisão de acelerar a votação.
O relatório de Paulinho da Força modifica regras de dosimetria de penas e prevê reduções expressivas para condenados por crimes enquadrados no contexto de 8 de janeiro. O parecer unifica penas de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito quando cometidos simultaneamente, o que diminui o tempo de prisão. Além disso, a punição por crime de multidão cai entre um terço e dois terços. O texto mantém, porém, a progressão de pena em um sexto nesses delitos, enquanto amplia exigências para crimes como feminicídio, homicídio e aborto, cuja progressão passa a 25%.
Os cálculos apresentados pelo deputado Cavalcanti (PL) estimam que, caso a proposta seja aprovada e sancionada, a pena de Jair Bolsonaro poderia ser reduzida para aproximadamente dois anos e três meses em regime fechado. A sigla considera o projeto estratégico para a base bolsonarista e mobilizou sua bancada, a maior da Câmara, com 86 deputados, para garantir votos suficientes – são necessários 257.
Paralelamente, Motta buscou demonstrar equilíbrio político ao atender pedidos do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e pautar projetos de interesse do Executivo, como o PLP 125/22, que trata de devedores contumazes e integra a estratégia para fechamento do Orçamento. Também entrou na agenda a regulamentação do comitê gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (PLP 108/24) e a revisão de benefícios fiscais, cuja votação deve ocorrer nesta semana ou no início da próxima.
Ao mesmo tempo, o presidente da Câmara abriu espaço para deliberações caras ao bolsonarismo, incluindo votações envolvendo os deputados Eduardo Bolsonaro, Carla Zambelli e Alexandre Ramagem. A costura política buscou impedir que o PL apresentasse emenda retomando a anistia – alternativa rejeitada por Motta para evitar desgaste com governo, oposição e opinião pública.
O lider do PT, Lindberg Farias, deu entrevista para a imprensa após o anúncio, e também se manifestou nas redes sociais. “ESCÂNDALO! O presidente da Câmara, Hugo Motta, acaba de anunciar no Colégio de Líderes a votação hoje de um projeto feito sob encomenda para reduzir a pena de Bolsonaro e dos generais golpistas. Motta cede à chantagem de Flávio Bolsonaro e acena com uma mudança penal sob medida justamente no momento em que o Brasil, pela primeira vez, responsabiliza generais, golpistas e um ex-presidente que se preocupava contra a democracia”, escreveu no X.

Em pronunciamento, o presidente da Câmara reiterou que a anistia é uma “pauta superada” e defendeu que o projeto trata exclusivamente da revisão de penas, não de absolvição de condenados. Segundo ele, a matéria “está madura” para deliberação.