Alego empurra conta do Ipasgo para servidores
Nenhum dos 25 deputados que votaram a favor do texto subiu à tribuna para defendê-lo; como de praxe, a conta fica para servidores e a responsabilidade política, como de costume, ninguém quis assumir
Bruno Goulart
A Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) voltou a cumprir, sem constrangimento, o papel de linha auxiliar do Palácio das Esmeraldas. Em sessão extraordinária, na noite desta quarta-feira (10), os deputados aprovaram, em primeira votação, por 25 votos a 7, o Projeto de Lei nº 30892/25, que acaba com a isenção de mensalidade para dependentes do Ipasgo Saúde.
A matéria, de autoria do Governo do Estado, foi empurrada a toque de caixa – começou a tramitar em 4 de dezembro – e deve ser aprovada em definitivo já na manhã nesta quinta-feira (11), em uma sessão híbrida, sem que a Casa tenha promovido um debate público minimamente consistente sobre os impactos da medida. Quem paga a conta é o servidor.
Pelo texto aprovado, dependentes que hoje não pagam passarão a arcar com mensalidade equivalente a 30% da tabela atuarial do plano, com valores que variam conforme a faixa etária. Na prática, isso significa cobranças que vão de R$ 47,45 no plano básico a R$ 54,31 no plano especial. Para dependentes acima de 59 anos, os valores saltam para R$ 207,33 e R$ 322,55, respectivamente. A proposta prevê ainda que o total pago pelos dependentes não poderá ultrapassar o valor da mensalidade do titular.
Nenhum dos 25 deputados que votaram favoravelmente ao projeto subiu à tribuna para defendê-lo. Nenhum. O silêncio coletivo da base governista escancara o desrespeito com servidores goianos e reforça a percepção de que a aprovação se deu mais por obediência ao governo do que por convicção.
Muita pressa na Alego
Mais do que isso, a pressa para votar o projeto beirou o constrangimento institucional. A base do governo tentou, ainda na noite desta quarta-feira, convocar uma segunda sessão extraordinária, minutos depois, para aprovar o texto em definitivo no mesmo dia. A manobra só não prosperou após pedido do deputado Clécio Alves (Republicanos).
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“O mundo não vai acabar de hoje para amanhã. A gente perdeu, mas perdemos de cabeça erguida. Quem perdeu foi o povo de Goiás. Mas tudo bem. Venceu a maioria. Deixa para amanhã, senão fica muito feio”, afirmou, ao pedir que o presidente da Casa, Bruno Peixoto (UB), deixasse a votação para o dia seguinte.
Na oposição, o deputado Mauro Rubem (PT) foi direto ao apontar os riscos estruturais da medida. Para o petista, o projeto atinge o Ipasgo em duas frentes: servidores com maior renda podem optar por sair do plano diante do aumento de custos com dependentes, enquanto os de menor renda simplesmente não terão condições de pagar. O resultado, segundo avalia Rubem ao O HOJE, será um esvaziamento gradual do sistema, o que pode comprometer sua sustentabilidade financeira no médio e longo prazos.
Impacto da decisão
Os números reforçam o impacto social da decisão. Cerca de 90 mil dependentes que hoje não contribuem passarão a pagar mensalidade. Outros 64 mil, que já pagam, terão aumento de custos. Tudo isso vai recair diretamente sobre o salário do servidor público, em um contexto de aperto financeiro e sem qualquer contrapartida clara de melhoria no serviço prestado.
Clécio Alves foi ainda mais contundente ao classificar a proposta como “ganância” e “crime contra o Ipasgo”. Segundo o deputado de oposição, a medida representa mais uma “facada” no servidor público e ameaça a própria existência do plano de saúde.
Omissão da base governista
Por fim, o comportamento da liderança governista na Casa sintetiza o momento. A reportagem tentou contato com o líder do governo, deputado Talles Barreto (UB), e com parlamentares do União Brasil que votaram a favor do projeto. Nenhum atendeu às ligações. O silêncio, mais uma vez, falou alto.
Ao abrir mão do debate, acelerar votações sensíveis e se omitir diante da sociedade, a Alego reforça uma imagem já conhecida: a de um Parlamento que prefere carimbar decisões do Executivo a cumprir seu papel constitucional de fiscalização, diálogo e defesa do interesse público. No caso do Ipasgo, a conta ficou para os servidores. A responsabilidade política, como de costume, ninguém quis assumir. (Especial para O HOJE)