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segunda-feira, 15 de dezembro de 2025
Análise

Campanhas eleitorais entram na era da inteligência artificial sem legislação aprovada; entenda o impacto

Especialistas ouvidos por O HOJE avaliam que o uso de inteligência artificial deve reduzir custos, melhorar estratégias eleitorais e, ao mesmo tempo, ampliar de forma perigosa a desinformação

Bruno Goulartpor Bruno Goulart em 15 de dezembro de 2025
Campanhas eleitorais entram na era da inteligência artificial sem legislação aprovada; entenda o impacto
Sem uma lei aprovada a tempo, o impacto sobre a credibilidade do processo eleitoral preocupa. Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Bruno Goulart

Enquanto o Congresso ainda discute a regulamentação da inteligência artificial, as eleições de 2026 já se desenham como as primeiras em que a tecnologia será amplamente incorporada às campanhas no Brasil. A ausência de um marco legal cria um cenário paradoxal: de um lado, ganhos expressivos de eficiência; de outro, riscos profundos à democracia e à confiança pública.

Para o diretor da Grupom Consultoria, Mario Rodrigues Neto, o impacto da IA nas campanhas se manifesta em dois grandes vetores. O primeiro é operacional. Segundo ele, a tecnologia tende a baratear e acelerar a produção de conteúdo político. Ferramentas avançadas já permitem criar textos persuasivos, roteiros de vídeos curtos e peças gráficas em escala industrial, com custo marginal próximo de zero. Na prática, isso reduz a dependência de grandes estruturas e pode equilibrar a disputa entre campanhas grandes e menores.

Além disso, a IA amplia de forma decisiva a capacidade de análise de dados. Ao cruzar pesquisas eleitorais, interações em redes sociais e informações demográficas, os algoritmos conseguem identificar padrões de comportamento e prever tendências de voto. Com isso, as campanhas deixam de falar com “o eleitor médio” e passam a direcionar mensagens altamente personalizadas a nichos específicos do eleitorado. Para o candidato, avalia Rodrigues Neto, isso significa campanhas mais eficientes e um uso mais racional do fundo eleitoral.

Deepfakes nas campanhas

Entretanto, o segundo vetor apontado pelo consultor é muito mais sensível: o avanço do conteúdo sintético falso, os chamados deepfakes. Vídeos, áudios e imagens gerados por IA, com alto grau de realismo, podem colocar candidatos dizendo ou fazendo coisas que nunca aconteceram. O potencial destrutivo é enorme, já que esse material pode se espalhar em poucas horas e causar danos irreversíveis à reputação de um político.

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Na avaliação de Rodrigues Neto, o problema se agrava pela ausência de mecanismos de controle em tempo real. Mesmo com investimentos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em tecnologia, a velocidade e o volume de conteúdo falso tendem a superar a capacidade de resposta institucional, sobretudo em ambientes fechados e criptografados, como grupos de WhatsApp. A baixa barreira de entrada torna o uso desse tipo de material uma tentação generalizada nas disputas eleitorais.

Nesse mesmo sentido, o estrategista político e presidente do IRIA – Instituto Brasileiro para a Regulamentação da Inteligência Artificial, Marcelo Senise, alerta que o Brasil perdeu o “timing” legislativo para proteger as eleições de 2026. Atuando com IA aplicada à comunicação política desde 2018, ele afirma que a combinação entre IA preditiva e generativa elevou o poder de manipulação a um nível sem precedentes.

Regulamentação

Para Senise, o principal problema do projeto de lei que tramita no Congresso (PL 2338/2023) é conceitual. Na sua leitura, o texto foi construído com foco na defesa do consumidor, quando deveria priorizar a defesa da democracia. Ele critica ainda a fragmentação legislativa, com mais de 230 projetos sobre IA tramitando simultaneamente, o que pode resultar em uma “colcha de retalhos” normativa.

Enquanto isso, a comissão especial da Câmara segue em fase de escuta, com previsão de conclusão apenas em 2026. Isso inviabiliza a aplicação de novas regras ao próximo pleito, já que mudanças na legislação eleitoral precisam ser aprovadas no ano anterior à eleição. O impacto, segundo Senise, é devastador: sem um conjunto normativo claro, a democracia brasileira entra no próximo ciclo eleitoral altamente vulnerável à desinformação em escala industrial.

Ele ressalta ainda que a IA atua em um nível psicológico profundo, ativando gatilhos emocionais e facilitando a manipulação da opinião pública. Diante desse cenário, defende um “grande acordo republicano”, no qual normas discutidas pela comissão sejam adotadas provisoriamente pelo TSE, além de investimentos pesados em sistemas de monitoramento e resposta. “Tecnologia se combate com tecnologia”, resume.

Sob outra perspectiva, o estrategista político Marcos Marinho lembra que toda atividade humana é regulada e que não há razão para que o ambiente digital seja uma exceção. Para ele, a complexidade da IA reside justamente na diversidade de aplicações: a mesma tecnologia que pode automatizar um chatbot comercial também pode ser usada para emular imagem e voz de uma pessoa, criando falsas realidades altamente convincentes.

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