Goiás proíbe leite líquido feito a partir de pó importado e reacende debate no setor
Nova lei da proibição do leite líquido feito a partir de pó importado tenta proteger produtores locais, mas especialistas apontam limites e possíveis impactos no preço ao consumidor
A venda de leite líquido produzido a partir da reconstituição de leite em pó importado passa a ser proibida em Goiás. A medida está prevista na Lei nº 23.928/2025, sancionada pelo governador Ronaldo Caiado, e atende a uma reivindicação antiga de produtores rurais e entidades do setor, que reclamam da concorrência com produtos vindos principalmente de Países do Mercosul.
A prática consiste em adicionar água ao leite em pó importado para transformá-lo em leite fluido, destinado ao consumo direto. Segundo o governo estadual, a proibição busca proteger a produção local e garantir a qualidade do produto vendido no Estado.
“Essa é uma iniciativa determinante para a manutenção dos empregos na cadeia produtiva do leite, para a proteção dos pequenos produtores e, principalmente, para a população: que terá sempre um produto de alto valor nutricional, com padrão de qualidade e brasileiro em sua casa”, afirmou o governador Ronaldo Caiado.
A nova regra vale para indústrias, laticínios e qualquer pessoa jurídica instalada em Goiás. Empresas que descumprirem a lei podem sofrer multas, ter produtos apreendidos e até perder o registro sanitário. “Essa lei é mais um passo na defesa da nossa agropecuária, do nosso emprego no campo e também da qualidade do alimento que chega à mesa do nosso povo”, acrescentou Caiado.
O projeto é de autoria do deputado estadual Amauri Ribeiro, que afirma que a proposta responde às demandas do setor produtivo. “Essa lei assegura maior controle sanitário e evita que pequenos produtores abandonem a cadeia láctea”, declarou.
Dados mostram que, em 2024, entraram em Goiás cerca de 649 toneladas de leite em pó importado, volume equivalente a 0,35% do total adquirido pelo Brasil. Esse montante representou aproximadamente US$ 1,99 milhão que deixaram de circular na economia goiana e poderiam ter sido direcionados aos produtores locais e ao comércio do estado.
Leite importado: especialistas divergem sobre os efeitos da nova lei
Para o economista Luiz Carlos Ongaratto, o impacto da medida tende a ser restrito. “Do ponto de vista econômico, a proibição tem efeito limitado. Ela pode gerar um alívio pontual ao reduzir a concorrência do produto importado, mas não resolve os problemas estruturais da cadeia, como custos elevados e baixa previsibilidade de renda”, avaliou. Segundo ele, “os ganhos para o produtor tendem a ser temporários e modestos”, além do risco de aumento de preços para o consumidor. Ongaratto também alerta que a redução da concorrência pode diminuir a eficiência do mercado no médio prazo e defende que soluções mais duradouras passem por produtividade, crédito e gestão de risco.
Já a Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg) avalia a decisão de forma positiva. O gerente técnico da entidade, Edson Novaes, afirma que Goiás produz leite suficiente para abastecer o mercado interno. “Goiás é um dos maiores produtores de leite do País, que produz tanto leite fluido de excelente qualidade. Goiás não necessita de importar leite em pó importado e transformar em leite fluido”, disse.
Segundo Novaes, a prática pode prejudicar tanto produtores quanto consumidores. “Ao invés das indústrias comprarem o leite do produtor goiano, estarão comprando o lacticínio importado para transformar em leite fluido e destinar para a população. O produtor sai perdendo e a população também”, afirmou. Ele explicou ainda que, apesar de existirem regras federais para estabelecimentos sob inspeção federal, não havia legislação específica para indústrias sob inspeção estadual e municipal.
O secretário de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Pedro Leonardo Rezende, destacou que cerca de 52% do leite produzido em Goiás vem da agricultura familiar. Para ele, esses produtores enfrentam uma concorrência desleal com a entrada do leite em pó importado, que ao ser reconstituído recebe nova data de validade. Rezende afirmou que a fiscalização será feita por órgãos sanitários e tributários, com apoio das forças policiais e do Ministério Público.
Segundo o secretário, a proibição faz parte de um conjunto de ações para tentar reduzir os impactos da crise na cadeia leiteira. Entre elas estão programas de compra do produto da agricultura familiar, linhas de crédito com juros reduzidos, assistência técnica, ações de melhoramento genético e medidas para ampliar a produtividade e a qualidade do lacticínio produzido em Goiás.