Goiás avança em doações de órgãos, mas ainda há resistência
Em 2023 Goiás registrou o maior número de doadores de órgãos que já teve na série histórica, com um aumento de 39% do número de doadores se comparado com o ano de 2022
Enquanto muitos se divertiam nos blocos de carnaval na última semana, José Souza Silva ansiava pela doação do órgão que poderia salvar a sua vida e de uma vez por todas, livrá-lo da hemodiálise. O homem que só queria viver de forma tranquila e saudável, não sabia que a sua salvação estava mais perto do que poderia imaginar. O ato de amor viria da própria irmã, Cleidiana Souza Silva, que após descobrir que era compatível com o irmão, decidiu doar o rim que ele tanto precisava.
Outras seis pessoas passaram pelo procedimento no Hospital Estadual Alberto Rassi (HGG) durante o feriado de carnaval, sendo dois dos transplantes na modalidade intervivos, quando o doador está vivo e normalmente é um familiar. Os outros quatros procedimentos foram possíveis devido a órgãos captados pela rede de transplantes. Ao todo, a unidade de saúde que é referência no Goiás em transplantes renais , já realizou 889 procedimentos.
Katiuscia Christiane Freitas, gerente de transplantes da Secretaria Estadual de Saúde de Goiás (SES-GO), afirma que o Estado vem avançando bastante nos últimos anos em relação à doação de órgãos. Isso se torna nítido, segundo a gerente, quando no fechamento do ano de 2023 Goiás registrou o maior número de doadores de órgãos que já teve na série histórica, com um aumento de 39% do número de doadores se comparado com o ano de 2022.
Em relação aos transplantes, o ano de 2023 registrou um aumento de 47% nos transplantes de órgãos e tecidos, como rins, fígado de córneas, de medula óssea e de músculo esquelético, que são as modalidades realizadas no Estado. “Nós vamos começar a fazer também o transplante pâncreas, o HGG [Hospital Estadual Alberto Rassi] também está habilitado para fazer essa modalidade de transplante”, afirma a gerente, destacando ainda que o crescimento desses procedimentos já é notado neste início do ano de 2024.
Como se tornar um doador
No Brasil, só é possível se tornar um doador de órgãos, por meio do consentimento familiar. Dessa forma, deixar um documento devidamente registrado informando a vontade de doar não é aceitável pelas autoridades. “É por isso que as campanhas são para que as pessoas conversem em casa sobre esse desejo, já deixem esse desejo manifestado, que quer ser doador de órgãos”, salienta a gerente.
A morte de um ente querido é marcada por muita dor e sofrimento para os familiares, e nesse momento delicado, tomar a iniciativa de doar os órgãos desse membro que se tornará lembranças no seio familiar é muito difícil. No entanto, quando a pessoa, em vida, manifestou esse desejo junto aos parentes, essa decisão se torna um pouco “mais fácil” de ser tomada, segundo Katiuscia.
A doação de órgãos é algo extremamente importante que possibilita desde uma melhor qualidade de vida para quem necessita até uma vida nova para quem está na fila de espera de transplante e precisa de uma doação para continuar vivendo. “Nós temos pessoas que estão aguardando o rim, mas que têm que passar pelo processo de hemodiálise três vezes por semana, muitos se deslocando de suas cidades para fazer o procedimento”, pontua a gerente.
Somente na lista de espera por uma córnea, têm cerca de 1500 pessoas aguardando, segundo Katiuscia. “O transplante vai possibilitar uma melhora de qualidade de vida para essas pessoas, sem contar naqueles que aguardam muitas vezes em situação de gravidade espacial”, reitera a necessidade das doações e destaca que muitas pessoas precisam de um transplante com urgência, como o transplante de fígado ou de coração.
Mitos e resistência
Apesar dos números positivos de doações no Estado, ainda existe uma grande resistência por parte da população quando o assunto é a doação de órgãos, de acordo com a gerente. “Aqui em Goiás nós temos uma recusa muito grande ainda, mas com campanhas e divulgação de informações podemos reduzir essa resistência”, afirma.
Em sua grande maioria, esta não adesão às doações e recusa está associada à desinformação, aos mitos, o preconceito e os demais receios em torno do assunto, é o que afirma Katiuscia. Para mudar essa realidade, conscientizar e sensibilizar a população, ações são realizadas pela Saúde do Estado, como treinamento e capacitação dos profissionais de saúde, a fim de que eles possam ter uma comunicação efetiva com as famílias enlutadas, além de acolhê-las.
“Um dos grandes desafios é fazer com que essas pessoas compreendam que morte encefálica é morte”, afirma a gerente, ao destacar que esta é uma das principais dúvidas dos familiares. “A pessoa morreu mas está com o coração batendo? Sim, ela está com o coração batendo porque ele está funcionando de forma artificial através de aparelhos”, explica.
A morte encefálica é a definição legal de morte, segundo o Ministério da Saúde. É a completa e irreversível parada de todas as funções do cérebro. Quando ocorre esse tipo de morte, significa que, como resultado de severa agressão ou ferimento grave no cérebro, o sangue que vem do corpo e supre o cérebro é bloqueado causando assim, a morte do cérebro. “É a única possibilidade de doação de órgãos é depois de confirmado o diagnóstico de morte encefálica”, destaca.
O Brasil é conhecido por ser um dos países com a mais rigorosa legislação do mundo para se chegar nesse tipo de diagnóstico, o que torna o processo seguro, segundo Katiuscia. No entanto, a falta de diálogo em casa, torna esse assunto um tabu para as famílias, porque falar de doação envolve falar da morte, e esse é um assunto que muitos não querem abordar.