As “compensações” no imposto do pecado da reforma tributária
Constitucionalista explica regulamentação do projeto que passou na Câmara dos Deputados e segue para o Senado
A Câmara dos Deputados aprovou e segue para o Senado projeto que regulamenta novas cobranças da reforma tributária, na última semana. Constitucionalista e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), o advogado Clodoaldo Moreira avalia os possíveis impactos do imposto seletivo, que passou na Casa Baixa do Congresso. Segundo ele, o imposto do pecado, como é chamado, aumenta em razão de alguns produtos, como bebida, cigarro, jogos, aplicações de previdência privada, etc.
Vale citar que a reforma tributária aprovada em 2023 no Congresso estabelece regras e guias para as cobranças dos três impostos sobre o consumo (IBS, CBS e imposto seletivo). Esses substituirão cinco tributos: PIS, Cofins, IPI, ICMS, ISS. Já a regulamentação da reforma tributária define o funcionamento do imposto seletivo. Se o texto não sofrer alterações no Senado, a cobrança valerá sobre a produção, extração, comercialização ou importação de determinadas categorias de bens e serviços, como os citados por Clodoaldo.
Conforme ferramenta desenvolvida pelo Banco Mundial, as taxas do imposto do pecado podem chegar a 32,9% para os refrigerantes; 46,3% para cerveja e chope; 61,6% para outras bebidas alcoólicas; e 250% no caso dos cigarros. Os dados foram estimados com base em informações repassadas pelo Ministério da Fazenda, mas não são exatos – a matéria ainda precisa terminar de tramitar no Congresso.
Clodoaldo diz que a implementação de uma tributação mais elevada sobre produtos nocivos à saúde, como álcool e cigarro, tem uma justificativa multifacetada que vai além da mera arrecadação. “O princípio fundamental é que as empresas que lucram com a venda desses produtos devem contribuir de forma mais significativa para os cofres públicos, considerando os custos sociais e de saúde associados ao seu consumo.”
O constitucionalista explica: “Existe uma discussão de que as pessoas que ‘bebem muito’ vão depender do serviço de saúde. Aqueles que fumam também, infelizmente, conforme o caso, dependem do serviço de saúde. E o serviço de saúde, o SUS, acaba respondendo por tudo e isso gera um impacto na arrecadação da saúde.”
Esta realidade,segundo ele, cria uma situação injusta onde toda a sociedade arca com as despesas de saúde decorrentes do uso desses produtos, enquanto as empresas que os produzem e vendem não compartilham proporcionalmente dessa responsabilidade. Moreira argumenta: “Se as empresas que vendem bebidas alcoólicas e cigarros, se elas poderiam, nesse caso, ser responsabilizadas, compartilhando esses prejuízos [com a saúde], pagos pelo cidadão comum. Então, com o aumento da incidência contributiva, a tentativa do governo é tentar gerar uma compensação”.
Além disso, a proposta do imposto seletivo visa também abordar questões de equidade fiscal. “A ideia do imposto seletivo é, da mesma forma, possibilitar que o cidadão que tem acesso a estes produtos que são ‘em tese de luxo’ contribua mais para o sistema”, explica Moreira.
Para ele, é importante notar que existem outros estudos que corroboram esta abordagem, levando em consideração fatores como o aumento da renda da população. Estes estudos sugerem que, à medida que a renda aumenta, a capacidade de contribuição também cresce, justificando uma tributação mais elevada sobre produtos não essenciais e potencialmente prejudiciais.
Esta estratégia tributária busca, portanto, não apenas aumentar a arrecadação, mas também criar um mecanismo de compensação pelos custos sociais e de saúde associados ao consumo de produtos nocivos, ao mesmo tempo em que promove uma distribuição mais justa da carga tributária na sociedade, avalia o jurista.
Reforma tributária
Segundo Clodoaldo, existem pontos de melhoria potencial na reforma tributária de modo geral. “Um deles é a simplificação tributária. A unificação de vários impostos em poucos tributos simplifica o sistema tributário e acaba reduzindo custos de conformidade para as empresas”, observa. Além disso, segundo ele, a mudança acaba com a guerra fiscal entre os Estados. Também conforme Clodoaldo, o novo sistema tributário promete ser mais transparente ao consumidor.
E continua a enumerar: “Não cumulatividade plena, ou seja, isso poderia reduzir o custo ao longo da cadeia produtiva; e desoneração de investimentos e exportações, podendo aumentar a competitividade da indústria brasileira.”
Já na parte negativa, ele pontua como pontos de preocupação: “Alíquota efetiva: havia preocupação sobre qual seria a alíquota efetiva do novo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), pois isso poderia impactar o custo final de produtos e serviços; setores com tratamento diferenciado: a definição de quais setores receberiam alíquotas reduzidas ou isenções era um ponto de debate, pois poderia afetar a competitividade de diferentes indústrias; impacto nos serviços: havia preocupação de que o setor de serviços poderia ser mais onerado com o novo sistema; e complexidade na transição: o período de transição de 8 anos poderia criar complexidades temporárias para empresas e contribuintes.”
Destaques na regulamentação
Depois de votar o texto-base, os deputados analisaram os chamados destaques, que nada mais é do que as sugestões de alteração no texto. A principal discussão dessa etapa foi a tributação zero da carne bovina e do frango, uma demanda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que foi defendida também pela oposição, mas que não era bem vista pela equipe econômica do governo.
E esse destaque foi aprovado. Ou seja, a carne vermelha entra na cesta básica e não pagará imposto sobre consumo. Mas um destaque que foi rejeitado pedia cobrança do chamado imposto seletivo (ou imposto do pecado) para armas. Com a rejeição, armas não serão submetidas a esse imposto, que busca taxar itens nocivos à saúde ou ao meio ambiente.
Durante a votação dos destaques, o relator, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), costurou um acordo para a aprovação da emenda que isenta carnes, sal, peixes e queijos de tributação de impostos sobre consumo. Esse foi o ponto que mais mobilizou os deputados nos últimos dias.
Apesar de o pedido ser de Lula, foi o PL, maior partido da oposição, o autor da emenda aprovada. Politicamente, é uma medida que rende resultados. É boa para o consumidor de carne, que comprará sem imposto, e para o produtor, que venderá sem imposto.
Pelo relatório anterior de Lopes, a carne teria redução de 60% no imposto, mas não estaria isenta. Por isso, após a aprovação do texto, base e oposição disputaram no plenário a “paternidade” sobre a inclusão das carnes na cesta básica nacional.
A isenção das proteínas animais representa uma derrota do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que se posicionou contrariamente a proposta nos últimos dias. Segundo os interlocutores, ele chegou a classificar a medida como “insanidade”. A equipe econômica do governo também não queria a isenção, por considerar o impacto na arrecadação.