Microcefalia traz à tona discussão sobre aborto
Juiz goiano provocou polêmica ao declarar apoio à interrupção da gravidez em casos mais graves. Medida não é consenso
Thiago Burigato
Em meio ao número cada vez mais alarmante de zika e– principalmente – de fetos diagnosticados com microcefalia associada à doença, uma nova polêmica surgiu com o posicionamento de um juiz goiano.
No mês passado, o titular da 1ª Vara dos Crimes Dolosos Contra a Vida de Goiânia, Jesseir Coelho de Alcântara, declarou, em entrevista à BBC Brasil, ser favorável à legalização de abortos em casos de microcefalia com previsão de morte do bebê. “Se houver pedido por alguma gestante nesse caso de gravidez com microcefalia e zika, com comprovação médica de que esse bebê não vai nascer com vida, aí sim a gente autoriza o aborto”, afirmou ele à publicação.
O assunto, é claro, está longe de ser unanimidade em um país como o Brasil e diversas entidades religiosas se manifestaram a respeito. Para o Movimento Brasil Sem Aborto, formado por integrantes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), da Federação Espírita Brasileira (FEB), do Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política (FENASP), entre outros, as interrupções de gravidezes de fetos com microcefalias são “inaceitáveis” em qualquer circunstância.
“Algumas pessoas estão tentando fazer uma correlação entre microcefalia e aborto, mas não me parece que haja fundamento para isso”, declarou a presidente nacional do movimento, Lenis e Garcia, em entrevista ao site da Arquidiocese de Brasília.
A falta de consenso é constatada também entre a população. Às portas do Hospital Materno-Infantil (HMI) local onde mulheres grávidas e mães de bebês recém-nascidos transitam em busca de atendimento houve quem apoiasse o posicionamento de Jesseir, e também quem o rechaçasse.
“Eu não concordo, não. Mesmo com doença”, afirmou a auxiliar de costura Renata dos Santos Barbosa, mãe de um menino de três meses de idade. Segundo ela, sua posição não é motivada por questões religiosas. “Eu nunca concordei. Tem que aceitar o bebê e se prevenir”, disse.
A faxineira Marinês de Souza Barbosa, avó de um bebê recém-nascido, também não concorda. “Eu acredito no milagre de Deus. Se ele permitiu que a mulher estivesse grávida, só ele pode tirar a vida, independente da situação”, declara.
Já o tatuador Marcelo Barbosa, cuja esposa está grávida de nove meses, vê a situação por outro ângulo. “Eu sou muito a favor. É muito complicado ter um filho em estado vegetativo”, diz. “Se a criança não puder ter qualidade de vida, é melhor que nem venha a existir.”
Especialistas são favoráveis
A reportagem do O Hoje também buscou o posicionamento de dois médicos renomados do Estado. E eles foram unânimes: a decisão deve caber à mulher.
O cirurgião pediatra Zacharias Calil defende a postura de Jesseir de permitir o aborto em casos de inviabilidade da vida do bebê. “Desde o momento em que a má formação é comprovada e que o feto é inviável, realmente está correta (a autorização do aborto)”, pontua. “Mas para fazer isso são necessários vários laudos de diversos profissionais da área atestando aquela situação.”
O infectologista Boaventura Braz de Queiroz é taxativo: “A primeira questão quando se pensa no assunto é o lado da mulher na história. Quem vai cuidar, ter os ônus e os bônus é a própria mulher. É uma decisão que tem que partir dela”, ressalta.
Ele reitera, porém, que é necessária toda a orientação para que a mulher possa avaliar bem suas alternativas. “Claro que uma ultrassonografia vai dar as informações e a própria experiência do obstetra vai ajudá-la nesse sentido, para que ela possa tomar a melhor decisão que condiz com sua crença”, conclui.