Retomada do crescimento poderia cobrir quase metade do ajuste fiscal necessário
Lauro Veiga
Uma
leva de analistas e consultores, em geral ligados ao mercado financeiro,
decidiu menosprezar (e, em alguns casos, até desprezar
mesmo) a influência do baixo crescimento da economia desde 2016 sobre o
desempenho das contas públicas no período. Suas análises sobre cenários fiscais
para setor público ressaltam o que deveria ser considerado como certa incúria
dos governos em relação aos gastos públicos, identificada como “populismo
fiscal” por algumas vertentes do pensamento econômico, como a raiz do problema
fiscal no País, vale dizer, como motivo central para o desequilíbrio entre
receitas e despesas.
Consequentemente,
a solução para a retomada do equilíbrio perdido estaria unicamente na
necessidade de segurar despesas e conter o “apetite” por recursos públicos da
sociedade de forma mais ampla, especialmente nos casos em que esses recursos
beneficiam o “andar de baixo”, formado pelas parcelas menos favorecidas na
divisão do bolo da riqueza nacional. Mais uma vez, ao atualizar até 2018 a sua
série sobre o resultado primário recorrente e estrutural do governo geral
(receitas menos despesas, excluídos gastos com juros, da União, Estados e
municípios), o economista Bráulio Borges, da LCA Consultores e
pesquisador-associado do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação
Getúlio Vargas (FGV), destaca: “A lentidão atípica (na comparação com outras
recessões tão severas e profundas como a de 2014/16) da recuperação cíclica da
economia brasileira tem sido um fator altamente relevante para explicar a lenta
recomposição do resultado primário recorrente, a despeito de várias despesas já
terem sido reduzidas para níveis que podem ser facilmente caracterizados como
um shutdown (fechamento) ‘branco’.”
Contas
recorrentes
O
resultado “recorrente” considera apenas as receitas que são recolhidas
regularmente pelo governo por meio da cobrança de impostos, contribuições e
taxas. As contas de Borges, no entanto, incluem o pagamento de royalties sobre
o petróleo, primeiro, segundo ele, em função das dificuldades técnicas para
expurgar daquelas receitas as flutuações dos preços de commodities (como o
petróleo). Em segundo lugar, o economista considera que o pagamento de
royalties tende a influenciar a arrecadação por um período ainda
suficientemente longo para que ser considerado transitório, acompanhando a
curva da produção no País. O mesmo procedimento, no entanto, não é aplicado às
despesas (ou seja, entram na conta todos os tipos de gastos, mesmo aqueles que
poderão não se repetir em exercícios seguintes).
Balanço
·
O
resultado estrutural, além de desconsiderar receitas não recorrentes,
“desconta” o impacto das flutuações da atividade econômica sobre a
arrecadação.Nesse cálculo, Borges observa que o resultado primário estrutural
do governo geral fechou 2018 positivo em 0,09% sobre o Produto Interno Bruto
(PIB) – primeiro superávit desde 2012.
·
Na
série do economista, comparando-se ao déficit estrutural de 1,46% de 2014, “houve
um esforço de consolidação fiscal” muito próximo a 1,55 pontos de porcentagem
sobre o PIB, algo como um ajuste de R$ 105,8 bilhões a valores de 2018, nas
contas da coluna.
·
Além
disso, o baixo crescimento, conforme Borges, vem subtraindo algo como dois
pontos percentuais do PIB da arrecadação recorrente do governo geral ao ano
desde 2016. Isso pode ter significado um impacto negativo na casa de R$ 136,6
bilhões apenas em 2018.
·
Praticamente
metade do ajuste fiscal para estabilizar a relação entre dívida e PIB poderá
ser alcançado com a retomada do crescimento. O restante, numa estimativa que
considera um ajuste de 4,4 pontos do PIB (em torno de R$ 300 bilhões), teria
que vir de “mudanças mais estruturais” nas despesas e/ou na cobrança de
impostos.
Como a política fiscal tem agido para segurar a
economia desde 2015, Borges sustenta ainda que caberia à política de juros
cumprir o papel de impulsionar a atividade. “Reformas econômicas dificilmente
substituem o papel da política monetária no momento atual, uma vez que os
impactos dessas reformas são mais diferidos no tempo e afetam muito mais o
crescimento potencial no médio/longo prazo do que o PIB efetivo no curto prazo”,
afirma.