Enel vai à Justiça para manter incentivos fiscais do Governo
Empresa alega que durante negociação, em 2016, ficou acertado concessões fiscais que não podem ser revogadas
Venceslau Pimentel*
A Enel Goiás vai entrar com ação judicial contra a revogação da lei nº 19.473/16, que instituiu a política estadual para manutenção, melhoria e ampliação da distribuição de energia elétrica no Estado, para manter incentivos ficais. Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga supostas irregularidades no contrato da privatização da Celg D, o diretor jurídico da Enel, Antônio Basílio Pires Albuquerque, disse que a revogação da lei configura quebra de contrato, o que ensejaria ação judicial.
“Compramos a Celg com determinadas condições vigentes, que foram determinantes para a definição do seu valor de venda, inclusive”, disse ele em depoimento. “O que foi acordado não pode ser revogado. Existe uma súmula do Supremo Tribunal Federal sobre isso. Vamos recorrer, posto que há essa impossibilidade de revogação do crédito outorgado”, informou.
Antônio Albuquerque afirmou que, em termos jurídicos e econômicos, os benefícios previstos em lei foram considerados, à época, determinantes para o que processo de alienação da antiga estatal pudesse ser concretizado. E isso se deu, segundo ele, em razão do alto volume de passivos registrados em nome da antiga Celg D, os quais eram decorrentes, sobretudo, de processos abertos na área trabalhista.
A lei que revoga a concessão de incentivos fiscais à Enel foi sancionada pelo governador Ronaldo Caiado (DEM) e publicada no Diário Oficial do Estado no dia 26 de abril. Ela é resultado do projeto de lei apresentado pelo deputado Paulo Cezar Martins (MDB), que justificou a matéria por conta dos créditos outorgados à distribuidora de energia elétrica até 7 de julho de 2045. Segundo ele, esses incentivos fiscais não se justificam, diante da grave crise financeira que o Estado enfrenta, com déficit orçamentário de R$ 6 bilhões. “Essa renúncia de receita é inaceitável. O Estado deveria estar arrecadando e não abrindo mão de recursos em benefício de empresas”, disse.
Além da forte renúncia de receita, o deputado emedebista destaca que há descontentamento generalizado, tanto dos consumidores residências como os industrias, com os serviços oferecidos pela Enel. Paulo Cezar sustenta que a empresa não tem feito os investimentos que são necessários para a melhoria da qualidade da distribuição de energia elétrica, previstos em contrato.
Na defesa de sua proposta, o parlamentar usou por várias vezes a tribuna da Assembleia Legislativa, para falar sobre o assunto. Ele citou, por exemplo, que a Enel comprou a Celg D há dois anos, mas não teria atingido as metas as quais se propôs na assinatura do contrato. “Nós, goianos, ficamos 26 horas no escuro, em 2018, quase o dobro do limite da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). A empresa previa melhorar índices em 40%, mas só chegou a 10%”, pontuou.
O diretor jurídico da Enel assegurou que foram atendidos os indicadores de qualidade, das metas, prazos e montantes de investimentos anuais, bem como de outras relacionadas aos benefícios de créditos outorgados. “Todas as obrigações contratuais estão sendo rigorosamente cumpridas. Entendo a aflição imediata da população pela qualidade dos serviços, mas precisamos de tempo para reconstruir os destroços em que encontramos o setor energético em Goiás”, pontuou.
Albuquerque pediu a compreensão da população goiana para com o tempo de adaptação da empresa em relação à adequação dos serviços herdados da antiga estatal. Ele contou aos deputados ter assistido a todo processo de privatização do setor elétrico ocorrido durante a década de 1990 e disse ter verificado que todas as estatais estavam em estado depauperado, com a possibilidade mesmo de sofrer intervenção pelo órgão regulador federal. “Os novos órgãos investidores levaram alguns anos para que as companhias pudessem apresentar comportamento satisfatório. O trabalho de reconstrução se inicia imediatamente, mas leva algum tempo, e a frutificação vem alguns anos depois. É preciso paciência para se ver resultados”, ponderou.
Por fim, o diretor jurídico fez uma exposição do que teria acontecido no Ceará, estado em que a Enel detém a concessão pública para distribuição de energia elétrica desde 1998. “Nos primeiros anos aconteceu algo muito semelhante ao que está acontecendo aqui em Goiás. Mas, com pouco tempo, em resposta, sobretudo, a processo de modernização dos serviços, a concessionária começou a mostrar ali os seus resultados, tendo sido já, por sete vezes, considerada a melhor distribuidora do país. O trabalho da Enel está sendo feito e daqui a pouco tenho plena convicção de que teremos também aqui uma das melhores companhias jamais vista em Goiás”.
Lei revogou concessão de crédito acertada com Marconi Perillo
A lei que foi revogado por Caiado foi editada em outubro de 2016, pelo então governador Marconi Perillo (PSDB), antes da privatização da Celg D, que foi comprada pela Enel, em leilão realizado na BM&BOVESPA, por R$ 2,187 bilhões. Desse recurso, coube ao Estado de Goiás R$ 1 bilhão. O restante ficou com a Eletrobras, que detinha a maioria das ações da então estatal goiana.
A Lei 19.473/16, que foi revogada, instituía a política estadual para manutenção, melhoria e ampliação da distribuição de energia elétrica no Estado. O objetivo era garantir a adequada prestação do serviço de distribuição de energia elétrica, assegurando o desenvolvimento econômico e a atração de novos investimentos no Estado de Goiás, e também assegurar o desenvolvimento da infraestrutura de distribuição de energia elétrica no Estado de Goiás, além de proteger os interesses do consumidor quanto à qualidade e oferta do produto.
O artigo 2º previa que à empresa que viesse a aderir à política energética no Estado – ou seja, a que comprasse a Celg D – seria concedido crédito outorgado do ICMS, a ser apropriado na escrita fiscal e compensado com os débitos de ICMS do contribuinte aderente, conforme autorizado pelo Convênio ICMS 85/04, mediante termo de acordo de regime especial a ser celebrado com a Secretaria de Estado da Fazenda.
Reestatização
O diretor jurídico da Enel, Antônio Basílio Pires Albuquerque, também comentou sobre especulações de reestatização da Celg D. “Acredito que levantar a bandeira de reestatização é enterrar de vez a companhia”, disse ele em depoimento à CPI.
“Além disso, temos visto que vários estados da federação encontram-se em crise financeira, sem capacidade, portanto, para assumir algo que não seja de sua expertise”, alertou, para fazer uma indagação. Queremos um Estado empresário ou um Estado que tenha melhores condições para investir em setores como os da educação, saúde, segurança?”, questionou. (* Especial para O Hoje)