Plano de Promoção do Equilíbrio Fiscal, socorro ou “armadilha” para os Estados?
Lauro Veiga
Anunciado
na terça-feira, 4, o mais do que aguardado Plano de Promoção do Equilíbrio
Fiscal (PEF), “carinhosamente” apelidado de “Plano Mansueto” pelo ministro da
Economia, Paulo Guedes, numa referência ao secretário do Tesouro Nacional,
Mansueto Almeida, o “guarda-livros” responsável pela montagem do programa, veio
embalado em nítida roupagem “ideológica” – adjetivo esgrimido com frequência
pouco habitual nos tempos que correm. Além de exigir um aperto reforçado nas
contas estaduais, o plano define entre suas condições a venda de estatais dos
setores financeiro, de energia, de saneamento e de gás pelos governos
“socorridos”.
No
caso de Goiás, estariam sob a mira, muito provavelmente, a Saneamento de Goiás
S.A. (Saneago), “última joia da coroa”, e talvez a própria GoiásFomento,
agência destinada a financiar pequenos negócios no Estado. Como se sabe, o
governo já se livrou de sua empresa de energia e “privatizou” o antigo BEG há
décadas, entregue ao que hoje se tornou o conglomerado financeiro Itaú
Unibanco. Para reforçar seu caráter “liberalizante”, o programa exige que os
Estados sigam o modelo de concessão na contratação de serviços de saneamento e
reforça, mais uma vez, a exigência de “desestatização” para aqueles governos
que ainda mantêm empresas naquele setor.
Além
de algum afrouxamento para os Estados que descumpriram as obrigações firmadas
em 2016 na renegociação de dívidas com a União, os governos estaduais terão
direito a contratar novos empréstimos para fazer frente a despesas de custeio
(sempre um risco), ampliando seu endividamento, com o
endosso da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), incluindo aqueles com
capacidade de pagamento limitada ou já esgotada. É claro que a simples liquidação
do patrimônio público, como está aí para comprovar a experiência privatizante
dos anos 1990, não vai solucionar desequilíbrios fiscais e desacertos de caixa.
Por isso, as gestões estaduais terão que submeter seus governados a doses mais vigorosas
de arrocho nas despesas e, talvez, algum aumento de receita num momento em que
a economia volta a flertar com uma recessão.
Choro e ranger
de dentes
Pode-se
antecipar a abertura de mais uma frente de conflito com o setor empresarial, já
que os Estados que aderirem ao PEF terão que cortar 10% do valor de benefícios
financeiros e incentivos fiscais no ano seguinte ao da adesão ao plano. A
medida será acrescida, ao que se espera, à redução já anunciada no ano passado,
que deveria representar algo em torno de 15% do estoque de benefícios em
fruição pelas empresas. Haverá choro e ranger de dentes, num ambiente já de
animosidades pouco contidas entre empresários e o governo estadual. Tudo para
que o Estado consiga uma fatia pouco expressiva dos R$ 10,0 bilhões que a STN
se dispôs a autorizar anualmente em novas operações de crédito para os governos
estaduais.
Balanço
·
Em
troca de merrecas, Goiás corre o risco de abrir mão de uma empresa estratégica,
transferindo grande parte da gestão de recursos hídricos no Estado para algum
grupo privado – provavelmente estrangeiro, diante da destruição virtual da
engenharia nacional na segunda metade da década.
·
Não
custa recordar que a venda da Saneago ocorreria num momento sensível na gestão
dos principais mananciais do Estado, ameaçados pela destruição de matas
ciliares, índices pluviométricos abaixo de médias históricas, queda na vazão por
uso excessivo dos recursos, desperdícios, assoreamento e outros desvios.
·
Ao
contrário da Celg Distribuição, levada a um estágio de quase exaustão econômica
e financeira por anos de maus-tratos, a empresa goiana de saneamento vinha em
recuperação, conseguiu resistir à tal “Operação Decantação”, mandada aos
arquivos pela Justiça Federal, e antecipa um ambicioso plano de investimentos
para os próximos cinco anos.
·
Nos
seis anos entre 2013 e 2018, a Saneago chegou a investir R$ 2,004 bilhões, em
valores aproximados, na maior parte com recursos próprios. Para o período entre
2019 e 2023, o planejamento estratégico da empresa desenhou um plano de
investimentos quase 84% maior do que o executado nos seis anos anteriores, algo
na faixa de R$ 3,680 bilhões.
Deve-se considerar ainda que a modicidade
tarifária no Estado tem sido assegurada por um equilíbrio pouco mencionado na
relação entre os diversos municípios atendidos pela estatal, onde os centros de
maior consumo dão sustentação ao sistema, compensando perdas em regiões do
interior e de consumo mais baixo. Como preservar esse equilíbrio com a entrada
de um grupo privado?