E os dados reais teimam em desmentir o otimismo disseminado pelo noticiário
Restando um mês para encerrar o exercício, os números confirmam que a indústria enfrentou um ano recessivo em 2019| Foto: Divulgação
Os resultados da produção industrial em novembro, aferidos pela pesquisa mensal sobre o setor divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), desautorizam as avaliações um tanto otimistas em excesso sobre o desempenho da atividade econômica no momento atual e, mais ainda, recomendam extrema cautela em relação aos prognósticos que vêm sendo desenhados para a atividade industrial (e para a economia como um todo) ao longo deste ano.
Restando um mês para encerrar o exercício, os números confirmam que a indústria enfrentou um ano recessivo em 2019 e ainda parece ter dificuldades extremas para sustentar períodos mais prolongados de crescimento, depois de anos de maus tratos, sacrificada por longos períodos de crédito caro e dólar valorizado (o que significou competir, ano após ano, com importações proporcionalmente muito mais baratas). Para aqueles menos afeitos às “jogadas” de certo tipo de “comentarismo” econômico, referendadas acriticamente pelo jornalismo pátrio, pode mesmo causar certa estranheza que o noticiário, conforme já anotado neste espaço, tenha assumido recentemente um tom de otimismo que não reflete os dados reais da atividade econômica.
Mesmo os três meses consecutivos de taxas positivas acumuladas pela produção industrial, as séries estatísticas do IBGE indicavam claramente a necessidade de avaliar aqueles números com certa parcimônia e moderação. Ao longo daquele período, sempre em relação ao mês imediatamente anterior, a produção cresceu 1,2% (agosto), 0,2% (setembro, o que não chegou a ser precisamente um avanço digno de nota) e 0,8% (outubro), acumulando elevação de 2,2% conforme o IBGE.
Em novembro, o setor “devolveu” mais da metade daquela variação ao cair 1,2% frente a outubro, desapontando o mercado, que esperava um recuo de 0,7% na média. Na mesma comparação, 16 entre os 26 setores de atividade acompanhados pelo instituto apresentaram taxas negativas e todos os quatro grandes setores ficaram no vermelho, com baixas de 1,3% para bens de capital, de 1,5% para bens intermediários, queda de 2,4% para a produção de duráveis (veículos, televisores, geladeiras) e recuo de 0,5% para os semiduráveis (alimentos, por exemplo). Mais sintomático das dificuldades que o setor enfrenta, apenas 25,2% dos produtos apresentaram crescimento frente a outubro, o nível mais baixo desde o mesmo mês de 2014 (21,4%).
Perdas disseminadas
Em geral, a atividade industrial tende a refluir nos dois meses finais de cada ano, depois de experimentar alguma aceleração em outubro para atender às encomendas do varejo para as festas de final de ano. Mas, nos últimos dois anos, os níveis de produção em novembro experimentaram quedas na comparação com iguais períodos dos anos imediatamente anteriores. Houve baixa de 1,2% em novembro de 2018 e uma redução de 1,7% em igual mês de 2019. Nesta comparação, quase 70% dos setores pesquisados (18 em 26) apresentaram baixas, demonstrando uma tendência de perdas mais disseminadas. De fato, apenas 45,3% dos produtos acompanhados pelo IBGE apresentaram taxas positivas na comparação com novembro de 2018 (frente a 48,0% em outubro). Foi a taxa mais reduzida desde novembro de 2016 (43,5%), último ano de recessão “oficial” no País.
Balanço
Na avaliação do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), o resultado negativo de novembro “indica que o setor ainda não conseguiu melhorar seu atual padrão de desempenho. Quando consegue engatar uma sequência de meses de crescimento, o que tem ocorrido muito raramente, isso dura pouco tempo. Não foi diferente neste final de 2019. Trata-se de um sinal de alerta para que evitemos otimismo exagerado para a indústria e a economia em 2020”.
Ainda na comparação com novembro do ano passado, apenas a produção de bens de consumo avançou (mais 1,0%), com altas de 0,7% para os duráveis (em forte desaceleração frente ao salto de 7,1% registrado em outubro) e de 1,1% para semiduráveis (que haviam crescido 3,4% no mês anterior, ainda em relação a idêntico período de 2018).
A produção da indústria em geral sofreu perdas de 2,0% no primeiro trimestre de 2019, recuando 0,8% no trimestre seguinte e 1,2% no terceiro trimestre, comparados aos mesmo períodos de 2018. No bimestre outubro-novembro, o setor reduziu a produção em mais 0,2% (com elevação de 1,1% em outubro e queda de 1,7% em novembro, apenas para reforçar a memória).
Nos últimos 12 meses, a indústria colecionou seis meses de números negativos e outros seis em terreno positivo quando a base para comparação é o mês imediatamente anterior. Considerando-se igual mês do ano anterior, foram oito meses de perdas e apenas quatro em terreno positivo, o que levou o setor a acumular retração de 1,3% nos 12 meses encerrados em novembro.
Numa avaliação indevida dos números, a imprensa chegou a saudar a alta de 2,26% na produção de veículos em 2019 como sinal inequívoco da recuperação. Mas os dados da Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) não foram tão brilhantes assim. Em dezembro, o volume produzido desabou 25,0% frente a novembro e caiu 3,94% em relação a dezembro de 2018, o que deverá ter impacto negativo sobre a produção da indústria como um todo na pesquisa do IBGE referente ao último mês de 2019.
Mais ainda: no quarto e último trimestre de 2019, a indústria produziu 686,472 mil unidades, praticamente repetindo o número de igual trimestre de 2018 (685,460 mil). Na passagem do terceiro para o quarto trimestre, a produção havia caído 9,79% em 2018, mas desabou 12,46% neste ano. Para relembrar: o setor fabricou quase 2,945 milhões de veículos em 2019, mas produziu, em média, em torno de 3,4 milhões por ano entre 2010 e 2012, atingindo um recorde acima de 3,7 milhões de unidades em 2013.