Bullying nas escolas afeta 29% dos adolescentes no Brasil
Prevalência de bullying no âmbito escolar é em alunos que declararam orientação não heterossexual ou estudantes com alguma deficiência
Daniell Alves
Uma pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) revelou que 29% dos adolescentes entrevistados relataram ter sido vítimas de bullying no último ano e 23% afirmaram ter sofrido violência. O levantamento foi feito com 2,7 mil adolescentes do nono ano em 119 escolas públicas e privadas. Os dados refletem mostram o preconceito e discriminação vividos por jovens de todo o Brasil, inclusive em Goiás.
No relatório, houve prevalência de vítimas por bullying e por violência entre adolescentes que declararam orientação não heterossexual, como aconteceu com o estudante Alex Soares (nome fictício), de 16 anos. Ele estuda em uma unidade estadual de Goiânia. O aluno conta que sempre se sentiu diferente dos outros garotos da sala, por não gostar das mesmas atividades, como o futebol, por exemplo. A aproximação do aluno é basicamente com as meninas, fato que fez com que alguns estudantes praticassem o bullying contra ele.
“Eu só tenho problemas com alguns meninos da minha sala porque eles fazem certas brincadeiras que me deixam constrangido. As brincadeiras não só dentro da escola, mas também são feitas na internet”, diz ele. Mesmo sendo vítima de preconceito pela orientação sexual, Alex diz que não se sente mais intimidado e aprendeu a se defender das brincadeiras ofensivas por parte dos alunos.
“Eu consigo me defender e não me importar, mas é muito chato e difícil ter que sofrer preconceito pelo o que eu realmente sou”, comenta. “Muitas pessoas estão mais preocupadas em apontar o dedo para o próximo ao invés de entender que todos somos diferentes e iguais ao mesmo tempo”, complementa o aluno, que está no 2º ano do ensino médio.
Questionado de como os gestores reagem em situações como estas, ele diz que, por mais que os professores repreendam os alunos em momentos fora da sala de aula, as piadas de mau gosto continuam. As brincadeiras vividas pelo garoto, de 16 anos, também acaba por refletir no desempenho dele durante as aulas.
Preconceito repetido
Além dos casos envolvendo os alunos vítimas de bullying, 15% dos estudantes entrevistados disseram ter cometido bullying e 19% ter cometido violência. As informações são do Projeto São Paulo para o Desenvolvimento Social de Crianças e Adolescentes (SP-Proso), coordenado pela professora Maria Fernanda Tourinho Peres.
“Uma das características do bullying é exatamente se estruturar em torno de adolescentes que portam características que o colocam em uma posição de alvo vulnerável, pela posição social que ocupa, pela cor da pele, por características físicas ou pela orientação sexual”, explicou a professora.
Ela reforça que esta realidade manda um recado para as escolas sobre importância de se trabalhar esses aspectos relacionados à tolerância, a normas de conduta, ao respeito à diferença. “Acho que atualmente reforçar a importância da escola na discussão desses aspectos é muito importante”, avalia.
O relatório destaca três pontos. O primeiro é que os casos de bullying e violência entre adolescentes não são eventos raros; o segundo é que tanto o bullying quanto a violência são resultados de causas possíveis de serem identificadas; e, por último, o bullying e a violência podem ser evitados.
Deficiências são alvos
Brincadeiras disfarçadas de preconceito é uma realidade em diversos âmbitos, inclusive o escolar. Aquelas pessoas que já nascem com algum tipo de deficiência também não estão imunes de ser alvo de piadas. A estudante Raquel Santos (nome fictício), de 18 anos, diz que já foi chamada diversas vezes de “quatro olhos” por utilizar um óculos de grau.
“Na maioria das vezes os meninos quem fazem essas brincadeiras. Eu também revido, mas é só para me defender”, explica. Segundo ela, já aconteceu de alunos pararem de ir às aulas por causa de discriminação e preconceito. “Ninguém escolher ser o que é. Existem em nossa cultura muitos preconceitos que precisam acabar”.
A adolescente está, agora, no 3º ano do ensino médio e este é o último ano em que ela irá frequentar uma escola. Embora já tenha sido alvo de piadas, ela diz que não guarda mágoa de ninguém e acredita que este quadro só pode se reverter por meio da educação. “O que falta é o diálogo aberto entre alunos e professores. Essas pessoas foram ensinadas a se comportarem assim. Acho que palestras e ações são muito importantes para acabar com o preconceito dentro das escolas”, afirma ela.
Violência no âmbito escolar
O relatório nota uma grande diferença nos percentuais de desordem e violência quando comparados as escolas públicas e particulares. É possível que essa diferença seja maior, uma vez que apenas uma escola particular e 19 públicas (21,8% das públicas) deixaram de responder às perguntas.
Foi observado que a maioria das escolas particulares (78,1%) não apresenta desordem físico-estrutural. Dentre as públicas, 12,6% não apresentam este tipo de desordem. Nas públicas predominam escolas com baixa desordem físicoestrutural (71,3%), sendo que 22% das particulares encontram-se nesta categoria. Nenhuma escola particular e 16% das públicas apresentam alta desordem físico-estrutural.
Um em cada 10 sofre bullying
Segundo o Ministério da Educação (MEC) um em cada dez estudantes brasileiros é vítima de bullying – anglicismo que se refere a atos de intimidação e violência física ou psicológica, geralmente em ambiente escolar. A Lei nº 13.185, em vigor desde 2016, classifica o bullying como intimidação sistemática, quando há violência física ou psicológica em atos de humilhação ou discriminação. A classificação também inclui ataques físicos, insultos, ameaças, comentários e apelidos pejorativos, entre outros.
Para combater o bullying, o MEC tem apoiado projetos de formação continuada para profissionais da educação (docentes e gestores) por meio do Pacto Universitário de Educação em Direitos Humanos. O Pacto é uma iniciativa conjunta do MEC e do Ministério da Justiça e Cidadania para a promoção da educação em direitos humanos no ensino superior.
Consequências são singulares para vítimas
Em termos de consequências, após a prática do bullying, não é possível generalizar, explica a psicóloga e psicanalista Fabiola Fiuza em entrevista ao Jornal O Hoje. “Os adolescentes são agressivos e disputam o poder de alguma forma. O que muda, hoje, é que nós não temos mais figuras de autoridade que regule e ajude esses jovens, inclusive, colocando punições para eles”. As consequências subjetivas, segundo ela, são sempre singulares. Depende do interior de cada um, mas pode resultar em suicídios ou ataques dentro da sala de aula, por exemplo, explica.
Ao invés de culpar os colegas, é necessário investigar a posição subjetiva da criança ou do adolescente. “Muitas vezes os alunos se colocam em situações ou buscam parcerias de amizades na escola que vai acontecer o bullying. Outra coisa de fundamental importância é orientar os pais para ir até a escola e cobrar providências”, explica.
Ao contrário do que a gente pensa, essas relações, muitas vezes, agressivas e problemáticas entre adolescentes não vão acabar, enfatiza Fabiola. Uma possibilidade de amenizar os efeitos do bullying é dando voz a estes adolescentes. “Rodas de conversas e assuntos que eles queiram falar”, explica. Para ela, entre as ações que podem ser feitas pelos gestores é, além de dar voz, oferecer arte, literatura e grupos de teatro, oferecendo uma saída para a vida desses adolescentes. (Daniell Alves é estagiário do Jornal O Hoje sob orientação do editor de Cidades Rhudy Crysthian)