Investimento estrangeiro cai 21,9% em fevereiro, antes do coronavírus
No acumulado do primeiro bimestre, o investimento estrangeiro total sofreu baixa de quase US$ 1,9 bilhão – Foto: Divulgação
Lauro Veiga
Mesmo
antes de o coronavírus aportar por aqui, o mercado de dólar já experimentava
alguma turbulência, estimulada pelo desaquecimento já em marcha das principais
economias globais, pela agitação que havia movimentado a indústria do petróleo
no início de janeiro e por incertezas em relação à evolução do surto virótico,
ainda concentrado principalmente na China. Aqui dentro, a perturbação vinha do
Palácio do Planalto, com embates entre o líder do Executivo, Congresso e
governadores. Essa combinação ainda modesta de eventos já havia sido suficiente
para que empresas estrangeiras reduzissem os investimentos diretos no País em
21,94%, saindo de US$ 7,682 bilhões em fevereiro do ano passado para US$ 5,996
bilhões no mesmo mês deste ano.
A
maior queda, segundo dados liberados ontem pelo Banco Central (BC), atingiu os
chamados investimentos em participação no capital, envolvendo geralmente a
compra de ações de empresas já instaladas aqui dentro e muitas vezes a
aquisição de empresas inteiras por grupos multinacionais. Nesta rubrica, a
conta desabou de US$ 5,229 bilhões para US$ 2,336 bilhões, num tombo de 55,3%.
As operações realizadas entre companhias de um mesmo grupo, classificadas pelo
BC também como investimento estrangeiro, por sua vez, saltaram 49,2%, de US$
2,453 bilhões para US$ 3,660 bilhões (o que, obviamente, não compensou a
retração observada para os investimentos em participação).
No
acumulado do primeiro bimestre, o investimento estrangeiro total sofreu baixa
de quase US$ 1,9 bilhão, caindo de US$ 13,510 bilhões para US$ 11,615 bilhões.
Desta vez, algo que não acontecia há anos, o investimento não foi suficiente
para cobrir todo o déficit de US$ 15,784 bilhões acumulado pela conta de
transações correntes do País, que resume todas as transações realizadas pelo
Brasil e suas empresas com o restante do mundo. Houve um salto de 27,51% no
tamanho desse déficit, que havia alcançado US$ 12,379 bilhões nos dois
primeiros meses de 2019.
Torra de
reservas
Isso
não significa que o País poderá enfrentar problemas mais sérios em suas contas
externas, a despeito da crise. Mas qualquer corrida contra o real e uma fuga
mais expressiva de dólares para “portos” mais seguros (títulos do Tesouro dos
Estados Unidos e ouro, por exemplo) podem fazer acender o sinal amarelo,
considerando as trajetórias recentes do déficit em transações correntes,
investimentos estrangeiros e, mais recentemente, das reservas internacionais. Entre
os dias 9 e 24 de março, o estoque de reservas em moedas fortes em poder do BC
foi reduzido em US$ 24,266 bilhões, num recuo de 6,6%, passando de UD$ 367,658
bilhões para US$ 343,392 bilhões – nível mais baixo desde 25 de julho de 2011,
quando o País acumulava reservas de US$ 342,268 bilhões. É claro ainda é um
número bastante confortável. O que preocupa é a trajetória recente e a
disposição do BC para queimar reservas às portas de uma crise que promete ser
severa.
Balanço
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Nas
contas do Itaú BBA, considerando uma média móvel trimestral “dessazonalizada e
anualizada” (quer dizer, descontados fatores não recorrentes e multiplicando os
números por 12), o déficit em conta corrente saiu de US$ 51,0 bilhões em
janeiro para US$ 62,0 bilhões em fevereiro, em alta de 21,6%.
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A
expectativa, de qualquer modo, é de um recuo do rombo nos próximos meses, em
função da queda esperada para a atividade econômica doméstica e da alta do
dólar. Essa combinação tenderá a reduzir importações e, em teoria, deveria
ajudar a elevar as exportações (porque sobraria mais produtos aqui dentro para
serem exportados, ajudados pelo câmbio mais favorável).
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O
problema, no caso das vendas externas, é que o comércio global está encolhendo
rapidamente, o que, combinado com a forte redução nos preços do petróleo, já
derrubando os preços das commodities minerais e agrícolas, principais itens na
pauta de exportações do Brasil.
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A
retração da demanda e da renda das famílias, associada mais uma vez ao dólar
mais caro, deve contribuir para reduzir ainda mais as despesas com viagens ao
exterior (que já desabaram 27,8% no primeiro bimestre), gastos com fretes
internacionais (diante da menor movimentação de bens e mercadorias) e as
remessas de lucros e dividendos (que devem ser muito menores, inclusive pela
queda das ações em bolsa).
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Os
dados preliminares da inflação de março, medida pelo Índice Nacional de Preços
ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), do IBGE, deveriam contribuir para reduzir o
alarmismo criado nas últimas semanas, especialmente nas redes sociais, em
relação aos preços. A falta de demanda e as quedas dos preços dos combustíveis
e passagens aéreas fizeram a inflação murchar de 0,25% nos 29 dias de fevereiro
para 0,02% nas quatro semanas encerradas em 15 de março – a taxa mais baixa
para o mês desde o lançamento do Plano Real, em 2004.
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O
índice acumulado em 12 meses baixou de 4,01% no final de fevereiro para 3,67% –
lembrando que essa taxa havia alcançado 4,21% apenas quatro semanas atrás. A
meta inflacionária para este ano, como se recorda, está fixada em 4,0%. O
“núcleo” de preços mais sensíveis à evolução da demanda manteve-se estacionado
em 2,6% também no acumulado em 12 meses, conforme dados do Itaú BBA.