Beco da Codorna se torna um cemitério artístico, em Goiânia
Estado de abandono sepultou os eventos culturais e sua referência para a arte urbana – Foto: Wesley Costa
Igor Caldas
Um dos pontos turísticos mais visitados da Capital, o Beco da Codorna se transformou em estacionamento, depósito de lixo e entulho. A viela sem saída no Centro da cidade foi alçada a museu de arte urbana ainda em 2014, quando um grupo de grafiteiros fez intervenções artísticas nos muros do local e promoveu vários eventos culturais ao longo dos anos. No entanto, o estado de abandono do local sepultou os eventos culturais e sua referência para a arte urbana.
A sede da Associação de Grafiteiros de Goiás (AGG) era em um dos imóveis da viela do Beco da Codorna. No entanto, o presidente da Associação, Eduardo Aiog, explica que a atual situação do local levou a entrega do imóvel. Desde então a AGG está sem sede. “Hoje, não há mais nenhum imóvel ocupado lá dentro. Inclusive há dois deles que estão completamente abandonados”, afirma Eduardo. Ele ainda diz que um desses imóveis compõem o patrimônio de Art Decó da cidade.
“Agora ficou sem sede, a Associação praticamente acabou por causa do abandono do local”, explica Eduardo. O presidente da AGG revela que o local já foi palco de exposições artísticas e culturais, realizações e execuções de murais e atividades circenses. “A Associação estava lá para ser um ponto de apoio esses artistas onde poderiam se reunir e fazer ações pela cidade”. No tempo em que a AGG esteve no Beco da Codorna, houve mais de 20 pontos da cidade revitalizados por grafiteiros. Entre eles, o ginásio da T-9, os becos da Rua do Lazer e mais cinco Colégios Municipais pela Capital.
Apesar da escassez de eventos culturais nos últimos anos, a sede da AGG no local mobilizava ações de proteção e cuidado com o espaço. “A iluminação que tem no beco foi a gente que instalou. A montanha de lixo que se formou lá há dois meses, foi a gente que retirou também”, revela Eduardo. Ele ainda afirma que havia câmeras de monitoramento instaladas pela AGG no Beco da Codorna, mas foram retiradas com a saída da Associação do local.
A entrada para o Beco da Codorna fica na Avenida Anhanguera, entre a Rua 9 e a Avenida Tocantins. O local está com acúmulo de lixo e entulho, a infraestrutura do asfalto da via e os meios-fios da viela estão comprometidos. O local se tornou um estacionamento de carros cercado de marcas do abandono.
Eventos culturais
No entanto, já foi palco de diversos eventos culturais. O produtor cultural e artístico Cleubismar de Jesus, conhecido no meio artístico como Mano CDJ, revela que o último evento feito no Beco da Codorna foi em 2016. “O Beco da Codorna sempre foi a menina dos olhos da arte urbana da Capital, mas passou do estado de Museu de Arte Urbana para um cemitério da arte”, lamenta.
O principal motivo do atual estado de um dos principais pontos turísticos do Centro de Goiânia apontado por Mano CDJ e pelo presidente da AGG, Eduardo Aiog, foi o não cumprimento do compromisso da administração municipal em revitalizar o espaço. A revitalização do Beco da Codorna seria uma contrapartida da Secretaria de Planejamento e Habitação pelo trabalho artístico de vários grafiteiros que pintaram os muros dos becos da Rua do Lazer, no Centro.
A equipe de reportagem entrou em contato com a Secretaria de Planejamento Urbano e Habitação (Seplanh) para questionar sobre a revitalização do Beco da Codorna, mas não obteve respostas até o fechamento da reportagem.
Reforma do Beco da Codorna ficou para trás
Cleubismar de Jesus (Mano CDJ) esclarece que o projeto de revitalização do Beco da Codorna foi um acordo feito com a própria prefeitura em troca da mão de obra de dezenas de artistas do grafite que coloriram os muros dos becos da Rua 8. “Estivemos em cerca de cinco reuniões com o secretário de Planejamento e houve até uma licitação em andamento para fazer a obra no espaço”. No entanto, Cleubismar explica que o então secretário da pasta, Henrique Alves, saiu do cargo e a licitação foi suspensa por um decreto da prefeitura.
No entanto, o produtor artístico e cultural ressalta que a revitalização do espaço poderia ter sido feita antes da saída do secretário. “O diálogo com a prefeitura foi feito há um ano antes da revitalização da Rua do Lazer. Inclusive, a AGG já não suportou ficar lá naquele lugar abandonado”. Mano CDJ ainda diz que as visitas do local diminuíram muito devido ao lixo e o desgaste da infraestrutura do espaço.
Segundo Mano CDJ, a revitalização acordada com a administração municipal previa apenas a infraestrutura básica no Beco da Codorna: instalação de lixeiras, iluminação, troca de pavimentação e fechamento da entrada para os veículos, para que o local não seja usado como estacionamento. Ele afirma que dezenas de artistas que grafitaram os becos da Rua do Lazer se sentiram decepcionados com o não cumprimento do acordo de revitalização do Beco da Codorna.
“Eu participei da grafitagem dos becos da Rua do Lazer e houve uma decepção geral. Tanto que no grupo nosso com a galera do grafite, com os artistas envolvidos teve uma descrença de 90% deles que chegaram à conclusão que não dá mais para fazer esse tipo de parceria com a Prefeitura de Goiânia”, lamenta. Os grafiteiros que coloriram os muros dos becos da Rua do Lazer doaram a mão de obra artística em troca do reconhecimento do Beco da Codorna como um local de referência da arte urbana de Goiânia e merecedor de uma revitalização.
Pandemia
Segundo o presidente da Associação de Grafiteiros de Goiás, Eduardo Aiog, a pandemia do Coronavírus limitou um pouco o fluxo das pessoas no local. No entanto, o fluxo de pessoas se fotografando por ali era constante. “A presença da galera se fotografando é uma rotina. Se perdurar o abandono pode voltar a ficar um local perigoso e inseguro como era antes de ser uma referência turística da cidade”, lamenta. Eduardo considera vergonhoso o recebimento de turistas no local onde as artes são belas, mas nota-se com clareza o abandono físico do espaço.
De acordo com Eduardo, no Beco da Codorna sempre houve eventos gratuitos ligados à cultura, música, teatro, circo, pinturas, exposições e encontro com artistas. “São cerca de 100 artistas grafiteiros que fazem parte da Associação e muitos participaram de todos esses eventos”. Eduardo considera que a gestão da Prefeitura de Goiânia virou as costas para os movimentos urbanos ligados à arte. (Especial para O Hoje)