Dívida privada passa a superar dívida do governo em quase 34%
Dívida das empresas e famílias tem apresentado forte crescimento desde o início da pandemia, grande parte por conta da desvalorização do real frente ao dólar – Foto: Reprodução
Lauro Veiga Filho
A
dívida das empresas e famílias tem apresentado forte crescimento desde o início
da pandemia, impulsionada pela alta no endividamento em moeda estrangeira, como
consequência direta da desvalorização do real frente ao dólar, e pelo
crescimento das operações de empréstimo e financiamento. O avanço tem sido mais
explosivo do que aquele experimentado pela dívida do governo geral, excluído,
em ambos os casos, o setor financeiro. A série de dados do Banco Central (BC)
mostra a evolução recente do chamado “crédito ampliado” contratado por
empresas, famílias e pelo governo geral (União, Estados e prefeituras),
incluindo empréstimos tomados aqui dentro e lá fora e a venda de títulos
públicos e privados. Ainda no caso do governo, considera apenas os títulos
federais colocados no mercado (ou seja, em poder de investidores em geral), sem
incluir os papéis do Tesouro depositados no BC.
Os
números diferem das estatísticas utilizadas pela autoridade monetária para
informar o tamanho da dívida pública e mostram valores mais baixos. O crédito
ampliado concedido ao governo geral, descontado o sistema financeiro público,
cresceu 6,37% entre fevereiro e setembro deste ano, avançando de alguma coisa
abaixo de R$ 4,60 trilhões para R$ 4,892 trilhões. O saldo devido pelo governo
passou a corresponder a 67,8% do Produto Interno Bruto (PIB), numa elevação de
4,9 pontos frente aos 62,9% registrados em fevereiro. Na comparação com
setembro de 2019, quando essa dívida somava R$ 4,447 trilhões, perto de 62,2%
do PIB, o BC registra uma variação de 9,33%.
Foi
um crescimento vigoroso? Sim, mas bem menos do que aquele observado no setor
privado. O crédito a empresas não financeiras e às famílias aumentou 11,3%
desde fevereiro, passando de R$ 5,881 trilhões para R$ 6,545 trilhões, ou seja,
R$ 664,4 bilhões a mais. Para comparar, o “crédito ampliado” ao governo central
experimentou uma variação de R$ 292,8 bilhões no mesmo período. A matemática
permite concluir, portanto, que a dívida privada cresceu 2,27 vezes mais do que
a dívida pública e ninguém percebeu o mercado sofrendo chiliques por causa
disso. Empresas não financeiras e famílias deviam, em setembro deste ano, em
torno de 33,8% mais do que toda a dívida do setor público não financeiro.
Peso
pesado
A
estatística mais convencional da dívida bruta do governo geral, na concepção do
BC, igualmente aponta crescimento e, de novo, numa velocidade intensa, mas num
ritmo novamente menos veloz se comparado com a dívida privada. O dado mais
recente diz respeito a agosto deste ano, quando o saldo da dívida pública total
havia alcançado algo próximo a R$ 6,390 trilhões (88,8% do PIB), em alta de
13,74% em relação a R$ 5,618 trilhão em agosto do ano passado, quando
correspondia a 79,0% do PIB. Empresas não financeiras e as famílias viram sua
dívida aumentar 16,1%, considerando-se agosto do ano passado e o mesmo mês
deste ano, avançando de R$ 5,535 trilhões para R$ 6,426 trilhões. Comparada ao
PIB, a relação elevou-se de 77,8% para 89,3%. Proporcionalmente ao tamanho da
economia e a sua capacidade de gerar renda, o peso da dívida privada continua
sendo maior mesmo quando se consideram os dados mais amplos adotados pelo BC
para aferir o endividamento do setor público como um todo. E, mais uma vez, a
variação nominal foi maior, com acréscimo de R$ 891,3 bilhões no lado privado e
de R$ 772,04 bilhões no setor público.
Balanço
·
A
contribuição da dívida externa para o crescimento do “crédito ampliado” para
empresas e famílias foi mais expressiva entre fevereiro e setembro, com salto
de praticamente 23,0% no período. O estoque da dívida contratada em moeda
estrangeira, já convertida para reais, saltou de R$ 1,504 trilhão para quase R$
1,850 trilhão e sua participação no saldo da dívida total daqueles segmentos
avançou de 25,6% para 28,3%.
·
Uma
parte importante da explicação, ou toda ela, está na alta do dólar (ou na queda
do real diante das demais moedas). Considerada a média mensal, com base nas
cotações diárias divulgadas pelo BC, o dólar subiu 24,4% entre fevereiro e
setembro, com alta de 31,0% desde setembro do ano passado. Mas, considerando a
cotação do real frente ao dólar no fechamento de cada mês, o aumento chegou a
25,4% desde o final de fevereiro e a pouco menos de 35,5% frente ao último dia
de setembro de 2019.
·
Como
se percebe, a variação do dólar foi mais intensa do que a elevação observada
para o saldo devedor em dólares. Uma das explicações para isso está no fato de
que, muito provavelmente (e os dados do BC parecem confirmar essa
possibilidade), o valor daquela dívida em dólar chegou a cair em ambos
períodos.
·
O
saldo de empréstimos e financiamentos, que inclui operações do sistema
financeiro nacional, empréstimos concedidos por fundos de pensão, consórcios,
fundos constitucionais e pelo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), aumentaram
menos, mas tiveram influência importante no crescimento da dívida total de
empresas não financeiras e das famílias. Em relação a fevereiro, o crescimento
foi de 9,0%, com alta acumulada de 12,8% desde setembro de 2019. Em valores,
aquele estoque saiu de R$ 3,454 trilhões em setembro do ano passado para R$
3,574 trilhões em fevereiro deste ano, subindo para R$ 3,897 trilhões nos sete
primeiros meses da pandemia, desembarcada aqui em março.
·
A
emissão de títulos de dívida pelas empresas não financeiras (debêntures, notas
comerciais), de certificados de recebíveis imobiliários e do agronegócio e de
direitos creditórios recuou 0,53% entre fevereiro e setembro, saindo de R$
802,6 bilhões para R$ 798,3 bilhões, refletindo as dificuldades geradas pela
crise. Em 12 meses, essas emissões avançaram 4,8%.