Economia começou escalada lenta e ainda não conseguiu sair do poço
Empreitada de recuperação da economia e crescimento do PIB deve precisar de apoio adicional, o que pode alongar o sofrimento da queda – Foto: Reprodução
Lauro Veiga
Uma
imagem absolutamente prosaica poderá ajudar a entender o que vem ocorrendo com
a economia brasileira em tempos de pandemia e sofrimento geral (menos para a
alta cúpula de Brasília, que acredita no poder da cloroquina e nas vantagens da
ignorância estrutural). Imagine que alguém tenha despencado num poço de pouco
mais de 11 metros de profundidade. Agora imagine que essa pessoa tenha
conseguido escalar perto de oito metros desde o fundo do poço, ao longo dos
três meses seguintes, graças, em parte, a medidas de socorro adotadas pelo
governo. À medida em que se cumpre a subida ao topo, no entanto, a empreitada
vai se tornando mais desafiadora, porque parte das forças foram perdidas na
primeira etapa da retomada, com a redução da ajuda provida pelo auxílio emergencial
aprovado pelo Congresso. O restante da escalada deverá exigir alguma forma de
apoio adicional, que poderá não vir, adiando a chegada ao topo – e, portanto, alongando
todo o sofrimento decorrente da queda por mais um período.
Nos
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Produto
Interno Bruto (PIB) acumulou retração próxima a 11,0% nos seis primeiros meses
deste ano e experimentou um salto de 7,7% na comparação entre o terceiro e o
segundo trimestres deste ano. Na mediana das previsões, segundo a agência
Bloomberg, o mercado esperava um crescimento de 8,7%, com algumas instituições
mais “animadas” chutando crescimento de 9,1%, a exemplo do BTG Pactual. Algumas
observações a respeito desse “salto”, absolutamente enganoso, porque não
reflete de fato uma retomada substancial e duradoura. Primeira: uma parte
relevante desse desempenho foi sustentado pelo “pacote” de medidas fiscais
(gastos mesmos) que o Congresso e a pressão da sociedade levaram o governo a
adotar.
Entre
julho e setembro, o gasto total relacionado à Covid-19 somou R$ 229,558 bilhões
(algo como 12,1% do valor acumulado pelo PIB no terceiro trimestre). Entre
março e outubro, essa despesa somou R$ 440,559 bilhões, o que significa dizer
que o terceiro trimestre respondeu por 52,1% dos desembolsos totais até ali. Mas
esse tipo de gasto sofreu forte retração desde agosto, quando havia alcançado
R$ 93,133 bilhões, chegando a pouco menos de R$ 29,127 bilhões em outubro, num
corte de 68,73% (o que deverá influir no desempenho da atividade econômica nos
trimestres seguintes, mas de forma negativa desta vez).
Um
“V” (muito) maroto
Segunda
observação: o “salto” do PIB no terceiro trimestre, como parece evidente, ainda
não havia sido suficiente para que a economia pudesse sair do poço em que
desabou. Segundo a Folha de S. Paulo, o coordenador do Núcleo de Contas
Nacionais do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV),
Claudio Considera, acredita que a economia vem saindo lentamente da recessão,
com grandes incertezas à frente sobre o ritmo dessa recuperação. Não se trata,
definitivamente, de uma “retomada em V”, como tem alardeado o sr. Paulo Guedes
e seus seguidores (ou seja, um tombo vigoroso em curto espaço de tempo, seguido
de uma recuperação igualmenteforte e em alta velocidade). “O ‘V’ tem a ver com
o buraco que nós caímos, não com a subida que tivemos. É um ‘V’ meio maroto,
que ainda não chegou ao ponto antes da pandemia. Não sabemos se a perninha
[para cima] dele vai continuar firme”, afirmou Considera.
Balanço
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Considere-se
o caso da indústria, que perdeu um quarto de seu PIB entre o final de 2019 e
junho deste ano e cresceu 14,8% no terceiro trimestre, comparado ao trimestre
imediatamente anterior. O setor claramente havia paralisado uma porção
relevante de seu parque de fábricas e voltou a religar gradualmente suas
máquinas após a suspensão das medidas de restrição à circulação de pessoas (lembrando
que alguns setores, a exemplo das indústrias de alimentos e de medicamentos,
continuaram operando).
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Ainda
assim, o PIB industrial mostra recuo de 0,9% em relação ao terceiro trimestre
do ano passado e acumula perdas de 5,1% frente aos nove primeiros meses de
2019. No setor de serviços, mais afetado pela crise sanitária, a atividade
avançou 6,3% no terceiro trimestre (frente aos três meses anteriores), com
retrocedeu 5,3% em três trimestres.
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Como
consequência, a economia em geral segue trajetória semelhante. Cresceu aqueles
7,7% na saída do segundo para o terceiro trimestres deste ano, mas caiu 3,9% em
relação ao mesmo trimestre de 2019 e acumula perdas de 5,0%. As previsões para
o ano variam de uma queda de 4,1% (estimativa do Itaú BBA) até retração de
6,0%, na projeção mais recente da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE).
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A
mesma OCDE adverte, em seu mais recente panorama sobre a economia mundial, que
a suspensão dos benefícios sociais emergenciais deverá afetar negativamente a
recuperação brasileira nos primeiros meses de 2021, antes que a perspectiva de início
da vacinação contra a Covid-19 ajude a mudar o clima na economia.“Essas
projeções deverão permitir que a atividade econômica retorne a níveis próximos
aos observados antes da pandemia no final de 2022”, sentencia a organização.
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Ainda
no terceiro trimestre, o consumo das famílias e os investimentos saltaram 7,6%
e 11,0% frente ao trimestre anterior, mas despencaram 6,0% e 7,8% diante do
terceiro trimestre de 2019. A reação ocorreu exatamente porque as perdas nas
duas áreas haviam sido muito intensas nos meses anteriores e, como mostram os
dados do PIB, tanto o consumo como os investimentos continuavam muito abaixo
dos níveis do ano passado. No acumulado do ano, o consumo das famílias baixou
6,3%, diante de queda de 5,5% para os investimentos.
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Em
mais um dado para ajudar a colocar a taxa de crescimento no terceiro trimestre
em perspectiva, o índice do IBGE para o PIB, com os devidos ajustes sazonais, registra
baixa de 6,3% frente ao mesmo intervalo de 2008. Desde o terceiro trimestre de
2016, ou seja, ao longo de 16 trimestres, o PIB variou somente 0,8%.
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Mais
um “detalhe” a anotar: a queda de 3,4% acumulada pelo PIB em 12 meses até o
terceiro trimestre do ano foi o segundo pior resultado para o período em toda a
série histórica iniciada em 1996, “perdendo” apenas para o tombo de 4,1%
acumulado nos quatro trimestres encerrados no terceiro trimestre de 2016.