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terça-feira, 26 de novembro de 2024
Combate à crise

Os “papas” da economia mundial pedem mais investimento público

As decisões de política econômica devem responder às condições presentes enfrentadas pela economia, que enfrenta neste momento uma das piores crises, com desemprego ameaçando superar a marca dos 15% | Foto: Reprodução

Postado em 17 de dezembro de 2020 por Sheyla Sousa
Superávit primário do Estado cresce 25
Confira a coluna Econômica

Lauro Veiga 

O
pensamento econômico majoritário no Brasil, que domina o debate nesta área
desde o final dos anos 1980 – e desde sempre orientado pelos mercados –,
continua amarrado a dogmas falidos desde a crise de 2008/09 e que têm sido
revisados desde então pelos países centrais, matriz desse tipo de orientação. A
discussão econômica naqueles centros começa a desautorizar até mesmo algumas
das “âncoras” utilizadas por aqui para dar tons de verdade absoluta à ortodoxia
enviesada acolhida pelos radicais do “fiscalismo”, igualmente conhecidos como
“austericidas” entre os economistas mais esclarecidos.

As
decisões de política econômica, como pode parecer óbvio (mas nem sempre é, como
demonstram dia após dia o ministro dos mercados e seus assessores), devem
responder às condições presentes enfrentadas pela economia, que enfrenta neste
momento uma de suas piores crises, com desemprego ameaçando superar a marca dos
15% nos próximos meses. Toda a atenção da equipe econômica, portanto, deveria
estar concentrada no enfrentamento da crise, na criação de condições para
superá-la. Mas não é o que se observa, como também parece evidente ao
observador atento: os esforços estão todos direcionados para políticas que
satisfaçam o (aparentemente) eterno desejo dos mercados por sangue, suor e
lágrimas (dos outros, claro).

Enquanto
os grandes “papas” da economia mundial discutem, lá fora, a necessidade de
ampliar as despesas e especialmente os investimentos do setor público, como
forma de compensar a baixa atividade no setor privado e sua consequente falta
de apetite para investir, o debate no Brasil está incrivelmente concentrado na
suposta necessidade de recuperar o equilíbrio nas contas públicas, cortar
despesas e reverter a tendência de alta da relação entre dívida pública e
Produto Interno Bruto (PIB).

Em
artigo publicado na edição do último final de semana pelo jornal Valor
Econômico, o economista André Lara Resende, um dos “pais do Plano Real”, retoma
o tema que tem sido alvo de suas preocupações mais recentemente, para desgosto
dos coleguinhas do mercado. “Quando há insuficiência de demanda agregada,
capacidade ociosa e desemprego, o Estado pode e deve gastar, emitindo uma
combinação de moeda e dívida, sem se preocupar com o equilíbrio fiscal ou com o
aumento da relação dívida/PIB. A responsabilidade fiscal e a disciplina
orçamentária devem ser reinterpretadas como a busca da qualidade do gasto, da
eficiência na operação do Estado”, escreve Resende.

Fim
do mundo?


no trecho final de seu mais recente artigo, Resende recorre a fina ironia ao
reforçar a crítica aos “austericidas” de plantão, dentro e fora do governo, ao
lembrar recente emissão de títulos soberanos pelo Brasil no mercado
internacional. Como se recorda, no começo deste mês, o País captou perto de US$
2,5 bilhões, numa emissão quase simbólica, e recebeu ofertas de compradores
internacionais em valor mais de três vezes superior, ao redor de US$ 8,0
bilhões. O rendimento oferecido aos investidores variou entre 2,2%, 3,45% e
4,50% para os títulos com prazos, respectivamente, de cinco, dez e 30 anos.
Resende não deixa de notar a extremacontradição entre a retórica do fim de
mundo adotada aqui dentro e a reação dos investimentos à oferta brasileira.

Balanço

·  
“Quando
o Tesouro anuncia o maior déficit nominal da história, quando a relação
dívida/PIB atinge o seu mais alto nível e o coro dos que anunciam a hecatombe
final se intensifica, o Brasil acaba de fazer uma emissão externa de dívida
pública, desnecessária por sinal, à menor taxa de todos os tempos. A cotação do
dólar cai e a bolsa sobe, mas os fiscalistas insistem que vamos para o abismo
se o teto dos gastos for desrespeitado e o Banco Central não subir os juros”,
disparou Resende.

·  
O
economista abre seu artigo fazendo menção a seminário promovido no dia 1º desde
mês, em Washington (EUA), pelo Brookins e pelo Peterson Institute, duas
instituições mais influentes na capital norte-americana, reunindo, entre
outros, os professores de Havard Jason Furman e Larry Summers (que assessoraram
os governos Clinton e Obama, respectivamente), Ben Bernanke (ex-presidente do
Federal Reserve, o banco central dos EUA), Olivier Blanchard e Kenneth Rogoff,
que foram economistas chefes do Fundo Monetário Internacional (FMI).

·  
O
texto básico do encontro, que direcionou os debates, foi preparado a quatro
mãos por Furman e Summers, e suas análises e ponderações torpedeiam
drasticamente as teses mais caras ao conservadorismo econômico dominante no
Brasil. “A conclusão do seminário (apresentada por Summers e reforçada por
Blanchard) é que estamos diante de uma mudança de paradigma”, destaca Resende.

·  
Saem
de campo “as políticas de austeridade e de busca do equilíbrio orçamentário”,
constata o economista brasileiro, e entra “uma política fiscal expansionista
com ênfase nos investimentos públicos”. A revisão de conceitos atinge em cheio
uma das “âncoras” do dogma fiscalista, qual seja, a afamada relação dívida/PIB,
que passa a ser considerado um “indicador enganoso”. Resumidamente, porque
compara “estoques” (o valor da dívida) com “fluxos de renda” (quer dizer, as
riquezas produzidas por um país durante um ano e que constituem o PIB).

·  
Mal
comparando, seria como avaliar a capacidade de pagamento de uma família
considerando o tamanho total de sua dívida e sua renda anual. O indicador mais
relevante para avaliar a solvência e capacidade de pagamento de um país, “como sustentam
Furman e Summers”, escreve Resende, seria comparar o “serviço da dívida” (juros
e amortizações) com o PIB.

·  
“No
Brasil de hoje, com a taxa real de juros abaixo de 2% e a dívida bruta perto de
85% do PIB, o serviço da dívida é de apenas 1,7% do PIB”, aponta Resende.
Portanto, sobra espaço para emissão de novas dívidas e de moeda pelo governo
sem que isso represente uma ameaça concreta ao equilíbrio dos preços e à
capacidade de pagamento do Estado. O erro (na verdade, um crime de lesa-pátria)
não está no crescimento da dívida, mas na persistência de uma política
macroeconômica que agrava os problemas do País sem resolver a crise severa que
ceifa empregos e rouba o futuro dos mais jovens.

 

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