Venda da Eletrobrás vai encarecer “custo Brasil”, que o empresário dizia combater
A estatal é estratégica para a gestão do sistema elétrico brasileiro, com toda sua complexidade e dimensões | Foto: Reprodução
Lauro Veiga
Ao
longo de anos, provavelmente décadas, a leitora e o leitor atentos viram na
imprensa uma enxurrada de trabalhos, estudos e análises sobre o tal “custo
Brasil” e seu peso para as empresas, para as famílias e para a economia como um
todo. Estaria ali o verdadeiro cancro a corroer as possibilidades de
desenvolvimento econômico e social no Brasil. Todos aqueles textos e estudos
foram quase sempre patrocinados pelas grandes entidades que representam (ou ao
menos deveriam) o setor privado e, de forma mais destacada, a indústria.
Neste
exato momento, uma medida provisória poderá trazer aumentos bilionários de
custos para todos os setores, ameaçando uma área estratégica para o futuro das
empresas e do País, encarecendo absurdamente o mesmo “custo Brasil” criticado
em coro pelo grande empresariado. E o que acontece com todas aquelas poderosas
confederações e federações e seus “líderes”? Silêncio cúmplice e criminoso
diante do novo ataque arquitetado pela equipe econômica, quando não oferecem
seu apoio aberto, por pura ideologia.
Na
mesma terça-feira em que o senador Marcio Bittar (MDB-AC) apresentou seu
substitutivo para a PEC Emergencial, que ameaça desmontar os sistemas públicos
da saúde e da educação, ameaçando ainda a sobrevivência do BNDES, o governo
encaminhou ao Congresso a Medida Provisória 1031/21, que determina a
privatização da Eletrobrás. Mas, como usual neste desgoverno, não se contenta
apenas em liquidar a principal empresa do setor elétrico, responsável por 30%
de toda a geração, por 45% das linhas de transmissão instaladas em todo o País
e ainda por alguma coisa ao redor de 40% da capacidade de estocagem total de energia
do sistema elétrico, ao controlar 15 usinas hidrelétricas e seus respectivos
reservatórios.
Perda estratégica
A
estatal é estratégica para a gestão do sistema elétrico brasileiro, com toda
sua complexidade e dimensões. A MP fará com que o setor público perca a
capacidade de gestão daquele sistema, ao transferir a Eletrobrás para grupo ou
grupos privados. Uma questão desconsiderada pelos (falsos) líderes da
indústria. A medida permite a renovação automática por mais 30 anos dos prazos
de concessão das usinas da atual Eletrobrás, que se tornarão produtores
independentes assim que concluído o leilão de vendas de suas ações ainda sob
controle do Estado. Como produtores independentes, as usinas assumirão o
chamado “risco hidrológico”, mas poderão negociar a energia mercado livre, a
custos muitas vezes mais elevados do que os da energia contratada no mercado
regulado.
Balanço
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Pausa
para explicações. Grosso modo, o mercado de energia divide-se entre o “ambiente
regulado”, onde a energia a compra e venda de energia são reguladas por
contratos de longo prazo, a custos relativamente menores, e o “ambiente livre”.
Como já sugere seu nome, neste último espaço, os preços da energia variam
livremente, ao sabor da oferta e da demanda, influenciados ainda pela
capacidade dos reservatórios e pelos riscos climáticos, ou seja, pelo regime de
chuvas.
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Em
média, de acordo com o Coletivo Nacional dos Eletricitários, que divulgou nota
de repúdio contra a privatização na terça-feira, 23, os preços no mercado regulado têm flutuado ao redor de R$ 60 por megawatt/hora
(MWh). Aqui, deve-se observar um detalhe desprezado pela equipe econômica.
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As
usinas da Eletrobrás, construídas nas últimas décadas, tiveram todos os custos
do investimento amortizados, o que permite que a estatal coloque no mercado uma
energia relativamente mais barata, sem que isso afete a capacidade de geração
de caixa ou acarrete prejuízos para a estatal. Nos cinco anos entre 2015 e
2019, a empresa acumulou um lucro líquido de R$ 10,562 bilhões, alternando sim
períodos de perdas e de ganhos ao longo daqueles anos.
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No
mercado livre, famílias, empresas, o próprio setor elétrico e toda a economia
estarão submetidos não apenas a custos muito maiores, mas também a insegurança
e a incertezas geradas por oscilações abruptas nos preços da energia negociada
ali. Na média do ano passando, de acordo com a Câmara de Comercialização de
Energia Elétrica (CCEE), os preços no mercado livre atingiram R$ 155 por MWh
(2,6 vezes mais altos do que no mercado regulado). Mas variaram entre um mínimo
de R$ 39,68 em abril e um pico de R$ 502,70 em novembro.
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Portanto,
autorizar as usinas a vender a preços livres depois de privatizadas permitirá
que seus novos operadores tenham ganhos absurdos, diante do baixo custo de
operação das hidrelétricas. Isso apenas reforça as suspeitas de que as
privatizações sempre foram tocadas como uma oportunidade de bons negócios para
grupos privados e amigos do poder, sem a menor visão estratégica e de futuro.
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Em
sua nota de repúdio, o coletivo formado por trabalhadores do setor elétrico
lembra que o custo da energia para as famílias deverá experimentar um aumento
adicional de 16,7% num primeiro momento, numa estimativa atribuída à Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Em 30 anos, conforme a nota, os custos
impostos a empresas, às famílias e a “toda cadeia de produção da economia”
tendem a alcançar R$ 460,0 bilhões, numa média anual de R$ 15,3 bilhões.