Chuvas e reparos: os problemas crônicos da Marginal Botafogo
Especialista aponta que a prefeitura conseguiu resolver problemas estruturais, mas precisa fazer estudos hidrológicos | Foto: Wesley Costa
João Paulo Alexandre
A Marginal Botafogo é uma via expressa que foi inaugurada na década de 1990 com o objetivo de desafogar o trânsito do Centro da Capital. Nesta época, Goiânia se aproximava dos 1 milhão de habitantes. Ela tem cerca de 14 quilômetros e hoje consegue ligar a Avenida Goiás Norte, no Setor Norte Ferroviário até a Avenida Segunda Radial. Vale lembrar que este último foi um trecho recém inaugurado, pois antes da via acabava na Avenida Jamel Cecílio, no Jardim Goiás.
Porém, a parte mais antiga da pista sofre muito com os impactos causados pela chuva. Esse problema é quase crônico. A via se tornou um canteiro de obras diário e os motoristas que transitam no local enfrentam o dilema da rapidez que a mesma oferece com o receio sobre a qualidade da via. O Hoje flagrou alguns reparos recentes sendo realizados após pedaços da estrutura a montante se desprender e cair no leito do córrego. A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Infraestrutura (Seinfra) para mais informações sobre os novos serviços, mas a pasta alegou que seriam necessários 15 dias para realizar o levantamento técnico para maiores informações.
A via já foi palco de várias destruições. Em dezembro de 2017, parte de uma das pistas do sentido Sul/Norte, embaixo da ponte da Avenida Araguaia, desabou com a força da chuva. Em abril de 2018, a Marginal sofreu mais uma vez com o impacto das águas e parte do asfalto também cedeu em alguns pontos. Em janeiro deste ano e nos últimos dias de fevereiro, mas uma vez a Marginal parecia um rio após a construção não comportar o volume de água e transbordar para as vias de tráfego
O engenheiro civil Alexandre Garcês de Araújo destaca que a Marginal sofre com dois problemas que precisam ainda mais atenção: estrutural e hidráulico. O primeiro, segundo ele, já vem sendo resolvido com os reparos realizados pela prefeitura de Goiânia. “Em algumas chuvas, viu-se que a via tinha risco de desmoronar. Isso aconteceu porque a Marginal ficou muitos anos sem nenhum tipo de reparo e foi abrindo fissuras embaixo do solo por causa da trepidação que os veículos causam. Com isso, o solo precisa preencher esses espaços e faz com que a via vai ceder”, reforça.
Alexandre, que também é professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG) e conselheiro do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Goiás (Crea), afirma que esteve no local antes das obras realizadas pelo Executivo. Com isso, ele constatou a gravidade do problema que assolava por debaixo das vias da Marginal. “Fui ao local e tinha uma barra de dois metros na minha mão. Encontrei uma fissura e coloquei a barra dentro dela e ela não tocou em nada. Ou seja, o buraco era bem maior do que se esperava e o risco da pista ceder de uma vez era enorme”, conta.
Para isso, o leito do Córrego Botafogo – que deu o nome da via – passou a ser composto por um sistema de gabião. Isso consiste em criar uma parede de sustentamento com pedra e aço acrescido de concreto nos pontos mais críticos. “O risco de afundamento da pista, neste momento, não tem mais risco. Agora é manter o plano de manutenção para evitar que novos problemas surjam. Já soube que esses trabalhos estão sendo realizados entre na região da 44”, afirma.
Porém, o engenheiro destaca que o leito do córrego pode dar uma dor de cabeça para os usuários da via. “O leito do córrego não tem a capacidade de absorver toda quantidade de água que chega nela. A Marginal chegou a situação que chegou não foi por causa de uma chuva, mas de várias que caíram no decorrer do período e onde o local ficou sem nenhuma manutenção. A situação ainda é mais grave pois o concreto do leito do córrego é triangular e isso gera uma tensão no momento em que toda água se represa no lugar. Como fica sem ter para onde escoar, ela sobe e transborda”, explica.
Soluções
Alexandre reforça que a prefeitura ainda precisa fazer um estudo hidrológico no local para saber a quantidade de água que a Marginal suporta atualmente. A ampliação das faixas para expandir o leito do córrego seria uma boa alternativa, “mas não deve estar nos planos da prefeitura”, segundo ele.“As pistas são poucas e aumentá-las significa pagar indenizações muito caras pelos valores dos imóveis existentes nas proximidades”, afirma.
O professor afirma que o estudo deve levar em consideração o tempo em que o trajeto da água faz para chegar até o leito do Botafogo. Segundo ele, o trajeto da água no telhado, meio-fio, boca de lobo e desaguar do córrego é muito rápido. “A solução mais paliativa que eu vejo é a construção de bacias de retenção ao longo da marginal. Elas represariam as águas das chuvas e, com o auxílio de comportas, seriam liberadas aos poucos para que chegassem ao canal. Isso faria com que ele não enchesse de uma só vez e ainda serviria para ajudar no paisagismo da região.”
Alexandre reforça que a prefeitura deve levar em consideração a construção de áreas permeáveis, poços de filtrações, centeio central e parques. Isso tudo ajuda a filtrar a água para que todo volume não caia de uma vez no leito do córrego e, assim, haja o transbordamento para a marginal.
Qual será o futuro de vias expressas em Goiânia?
Alexandre enxerga a carência de vias expressas como a Marginal Botafogo em Goiânia. Para ele, esse tipo de construção ajuda muito no tráfego, mas o atual modelo está ultrapassado. “Essas vias, se forem pensadas no quesito trânsito, são maravilhosas. A Marginal não tem semáforos e, em todo percurso, ela conta com viadutos. Isso ajuda muito na fluidez. Porém, no quesito ambiental não é tão bom assim. Isso porque ela retira toda a mata ciliar na beira do córrego. E a gente sabe que a mata serve como uma proteção do leito e do solo da região, assim como o equilíbrio para manter o córrego vivo”, explica.
Ele até cita a Avenida Leste-Oeste como exemplo de via dita como expressa, mas que não será tão rápida assim. “Ela é uma via que conta com poucos viadutos e muitos sinaleiros. Ela nasceu com uma ideia de velocidade expressiva, mas não terá devido aos inúmeros cruzamentos que ela tem.”
O engenheiro reforça que, com a expansão da cidade, esse tipo de via deve ser planejada antes de que toda a área seja habitada. Ele também reforça a importância de investimentos em outras formas de locomoções sustentáveis para o desenvolvimento de uma cidade.
“Os bairros mais afastados contam com uma estrutura para a construção de vias expressas. Pois há mais áreas desabitadas e, consequentemente, os valores pagos pela desocupação são mais baratos. Porém, as grandes metrópoles investem no transporte coletivo e ciclovias. Mas são investimentos completos e que ligam pontos mais afastados da cidade. E não pequenos trechos como vemos atualmente. A idade é deixar o carro em casa. Isso soa muito absurdo para a gente, mas em outros lugares não é”, finaliza. (Especial para O Hoje)