Vítimas de estelionatários crescem 51% em Goiás
Delegado aponta que os crimes atingiram mais vítimas pelo auxílio da tecnologia e reforça cuidados nas redes | Foto: Takeshi Gondo
João Paulo Alexandre
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Essa modalidade de crime chama-se estelionato, que consiste em um fraude que é praticada com o intuito de obter vantagem ilícita para si ou para outrem. Essa prática pode ser feita em contratos ou convenções e precisa de quatro requisitos para ser considerado como crime. Além da vantagem ilícita, a prática tem que causar prejuízo a outra pessoa, tem que fazer utilização de ardil ou artimanha e levar alguém ao errado ou enganá-lo.
Essa modalidade é muito mais comum do que se pensa e cada vez ganha novas “ferramentas” para se concretizarem. A prova disso é o aumento de 51% no número de vítimas de estelionatários em 2020, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP) de Goiás. O comparativo foi realizado com o ano de 2019, que registrou 22.353 casos. Já no ano passado o salto desse crime resultou em 33.775 vítimas.
Uma dessas vítimas foi o motorista de aplicativo Iury Borges, de 24 anos. Ele foi enganado na prática conhecida como “Golpe da OLX” após tentar adquirir um celular pela plataforma de vendas. O caso aconteceu no último dia 28 de dezembro. “Eu estava querendo comprar um celular e juntei uma quantia boa para comprar à vista. Achei um anúncio na OLX e entrei em contato. O suposto dono do telefone me informou que ele estava viajando, mas que o telefone estava em uma barbearia no Setor Sul e que eu poderia estar indo lá para ver o aparelho, ver se estava tudo Ok e se eu decidisse ficar com o celular, era só fazer a transferência do valor que ele mandaria o dono da barbearia me entregar o telefone.”
O jovem conta que foi lá no local indicado e pegou o aparelho em mãos e confirmou que era aquele celular que iria comprar. O jovem nem desconfiou de um pedido que o suposto dono do telefone pediu para ele. “Me pediu pra não comentar o valor que eu estava comprando e, se a pessoa que estava com o celular me perguntasse, era para eu dizer que estava pegando o telefone por uma dívida, pois o barbeiro já estava querendo comprar o celular, mas queria pagar por semana e ele alegou que não queria receber dessa forma.”
O motorista de aplicativo fez o que o dono estava pedindo e decidiu comprar o celular. Nesse momento, ele realizou a transferência e aguardou o aval do suposto dono ao funcionário da barbearia para que ele lhe entregasse o aparelho. Porém, ele estranhou a demora disso acontecer. A surpresa veio ao descobrir que o suspeito também estava em diálogo com o barbeiro. Mas, com ele, a conversa foi de que um primo dele iria ao estabelecimento, veria o celular. O suspeito faria a transferência e o barbeiro poderia entregar o celular.
“Passado 10 minutos, eu perguntei ao barbeiro se o cara não tinha autorizado a entrega e o ele disse que não. Mostrei a transferência que eu fiz, mostrei o nome que eu transferi, o valor e tudo mais. O barbeiro estranhou e disse que aquela não era a conta dele. Eu questionei: ‘Como assim?’ E então, ele me respondeu: ‘o celular é meu! E eu estou esperando a transferência cair na minha conta pra eu poder te entregar’ Foi aí que eu entendi que eu havia caído em um golpe”, desabafa.
Iury fez um boletim de ocorrência, mas não conseguiu reaver os R$ 3,2 mil que foram pedidos no celular. Segundo ele, o pior de tudo foi ter se sentido impotente de não poder fazer nada na ocasião.” Foi a primeira vez que eu caí em um golpe. Tentei recorrer às instituições bancárias mas não obtive sucesso. Eu tinha vergonha de falar sobre o assunto, pois me dava muita raiva de ter caído de uma forma tão besta.Fica a dica de como eu caí e espero que mais ninguém caia”, finaliza.
Tecnologia contribuiu no aumento de golpes, diz delegado
Uma das possíveis explicações para o aumento no número de crimes dessa modalidade foi a tecnologia que proporcionou que o estelionatário atingisse uma maior quantidade de vítimas, segundo o delegado Cássio Arantes, da Delegacia de Investigações Criminais (Deic). “A pandemia fez aquela alusão de menos pessoas na rua. Então, fez com que essas pessoas se especializassem na busca de dados pela internet. Além disso, o aumento de pessoas que o criminoso consegue fazer de uma só vez é mais vantajoso para o crime. Antes, ele atingia quatro vítimas, no máximo, por dia. Hoje ele consegue atingir 50 de uma só vez”, explica.
Cássio pontua que o crime de estelionato é cíclico. Ou seja, por períodos em que aquela modalidade está em alta. Segundo ele, os golpes mais comuns que estiveram presentes na pandemia foi justamente o golpe da OLX e do Novo Número do WhatsApp. “Nesta última, o criminoso consiste em cadastrar um chip qualquer e clona o aplicativo de uma pessoa Com isso, eles entram em contato com os familiares para pedir dinheiro. As pessoas não fazem um simples gesto que poderia evitar muitas a caírem nessa modalidade: ligar ou pedir um áudio. É muito difícil o criminoso conseguir imitar a voz da pessoa que ela está se passando”, relata.
Segundo ele, há a possibilidade de reaver o dinheiro, mas isso é muito difícil pelo o que é chamado de técnica de pulverização. “O criminoso recebe o dinheiro em uma e acaba repartindo a quantia entre outras. Isso acaba dificultando a gente a encontrar esses valores e conseguir reaver todo o montante que a pessoa perdeu. O que é pedido pela gente é que, quando identificar que caiu em um golpe, procure a Polícia Civil o quanto antes. Quanto mais antecipado acontecer esse contato, mais rápido será para identificar esse suspeito”, destaca.
O delegado ainda discorre de como os criminosos conseguem encontrar esses dados. “O vazamento de dados é uma das formas mais comuns para os criminosos conseguirem fazer clonagens e outros tipos de crimes. Porém, os crackers são os mais comuns e eles, no ambiente conhecido como darkweb, conseguem ter acesso a informações sigilosas e acabam vendendo a esses tipos de criminosos”, ressalta. (Especial para O Hoje)