Greve dos caminhoneiros assusta sobre possível desabastecimento
Ramo da alimentação e combustível, por exemplo, temem a falta de produtos como ocorreu em 2018 em alguns municípios
O anúncio de uma possível paralisação dos caminhoneiros em todo o Brasil – e, consequentemente, em Goiás – começa a preocupar diversos segmentos da economia. Muitos têm receio das consequências da greve que assolou o país em maio de 2018 e que durou longos 10 dias. Com isso, muitos locais ficaram comprometidos, desde fornecimento de combustíveis e alimentos à falta de insumos básicos em hospitais.
Em Goiás, a previsão é que a paralisação ocorra na próxima segunda-feira (26). Vantuir Rodrigues, presidente do Sindicato dos Transportadores Autônomos de Carga de Goiás (Sinditac), confirmou que os caminhoneiros goianos vão aderir ao movimento em protesto contra a alta generalizada dos combustíveis e as dificuldades da categoria.
“O caminhoneiro conta com a sociedade, porque quem está passando por isso não é só o caminhoneiro, é a sociedade de um modo geral em relação a preço de combustível, de tudo”, complementou. O presidente do Sinditac destacou, ainda, que o movimento não tem um “prazo” e deve durar por tempo indeterminado.
As reivindicações da categoria são: o aumento no preço do frete, que não tem reajuste há 10 anos, a alta de insumos – como diesel, pneus, alimento, peças de manutenção e mão de obra – omissão da fiscalização da lei 13.103/15 e falta de linha de crédito exclusiva para caminhoneiro para troca de de equipamento e manutenção e a construção de pontos de apoio para a categoria no país, já que as condições são consideradas insalubres.
Com isso, algumas entidades já manifestam preocupação. Marcio Andrade, presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo no Estado de Goiás (Sindiposto) destaca que, caso o movimento perdure por muito tempo, os danos podem ser maiores dos que registrados em 2018. “A gente está no meio da pandemia e muitos empresários do segmento não conseguiram se recuperar até o momento. Tem sido um ano e meio muito difícil e isso pode levar com que alguns não consigam se recuperar desse novo baque”, pontua.
Márcio reforça que em 2018 houve postos em algumas cidades que ficaram sem qualquer gota de combustível, já que os caminhões estavam interditados nas estradas. Porém, o presidente destaca que a alta do imposto federal não é algo recente e não deve ser colocado como o motivo da greve. “A gente entende que o foco principal deve ser a política de preços da Petrobras. Não dá para equiparar os preços dos combustíveis com o cenário internacional. A carga tributária sempre foi alta. Isso é de muitos anos. Mas, de qualquer forma, estamos atentos e apreensivos com essa perspectiva”, destaca.
Gilberto Soares, presidente da Associação Goiana dos Supermercados (Agos), diz que, um dia de paralisação, já é danoso para o comércio. “Nós temos frigoríficos que atendem toda a Grande Goiânia e, por isso, necessitamos utilizar as rodovias. Um dia tem impacto, mas a nossa maior preocupação é se o cenário perdurar. Tem muitas empresas que trabalham com alimentos perecíveis, como os hortifrutigranjeiros e as carnes, onde o caminhão não consegue se manter refrigerado por muito tempo ao ficar parado”, destaca.
O que fazer?
O professor de Finanças Públicas da Universidade Nacional de Brasília (UNB), Roberto Piscitelli, destaca que cerca de 60% dos produtos escorrem pelas rodovias federais. A preferência pelo transporte, segundo ele, é explicada por uma simples razão: monetária. O transporte de produtos por terra é mais barato, além de ser mais viável a construção de rodovias ao invés de ferrovias, por exemplo. “O transporte rodoviário tornou- se matriz no transporte do Brasil. Um transporte ferroviário, por exemplo,é caro e transporta menos mercadorias. Isso já deveria estar mudando, pois há certas formas de transportar mercadorias de maneira mais econômica e até com menos transtornos”, reforça.
Segundo ele, o combustível sempre foi o fio de navalha para a questão da greve. Porém, ele reforça que a política de igualar os combustíveis com o cenário internacional peca e que isso deveria ser mudado. Sobre a diminuição dos Confins, o professor é bem categórico ao dizer que isso tem limite para acontecer. “Para você reduzir um imposto, você tem que ter outras receitas para que não haja problema de arrecadação e que a sociedade acabe pagando a conta em outros impostos, não que isso não ocorra, mas não pode acontecer ainda mais”, pontua.
Além disso, Roberto destaca que a atuação do governo federal na tabela do frete pode ter um efeito autoritário. “Atualmente, a pessoa pode negociar o valor que ela quer pagar para que o produto seja levado de um lugar para outro. Com a tabela, valores fixados podem acabar atrapalhando o comércio e isso pode causar certos impactos econômicos a empresários que não poderão pagar por esses valores, pois a regra passará ser a mesma para todos”, reforça.
Categoria se diz desassistida pelo governo
Entidades e associações que representam caminhoneiros avaliam a possibilidade de realizar uma paralisação nacional a partir de domingo (25), Dia do Motorista, que poderia crescer na segunda-feira (26). Há um descontentamento de parte da categoria com promessas não cumpridas pelo governo Jair Bolsonaro e com as altas recentes do preço do óleo diesel.
Entre as insatisfações também são citadas o fim da isenção do PIS/Cofins sobre o diesel, os preços elevados dos insumos para o transporte de cargas e a falta de fiscalização do piso mínimo do frete. Algumas entidades já decidiram apoiar a interrupção das atividades, mas reuniões ainda serão realizadas ao longo desta semana para definir a posição da categoria, segundo representantes ouvidos pela reportagem. Uma das entidades que decidiu apoiar a paralisação é o Conselho Nacional do Transporte Rodoviário de Cargas (CNTRC).
Plínio Dias, presidente da entidade, disse que a mobilização começa no dia 25 e que a adesão pode crescer na segunda-feira e nos dias subsequentes.
A entidade afirma já ter apresentado 387 ofícios ao governo desde o começo do ano com as reivindicações dos caminhoneiros, como o fim da política de Preço de Paridade de Importação (PPI) da Petrobras para combustíveis, maior fiscalização nas estradas para cumprimento do piso mínimo de frete e a aposentadoria especial para os motoristas.Segundo o representante, a pauta é a mesma da paralisação do início de 2021. “Até o presente momento, o governo e as pastas cabíveis não chamaram para conversar”, disse ele.
O descrédito do governo vem aumentando junto aos caminhoneiros em virtude de algumas promessas não cumpridas. Em maio, preocupado com movimentos grevistas e as constantes ameaças de paralisações, o governo anunciou um pacote de medidas para a categoria, o “Gigantes do Asfalto”.Entre as medidas consta a criação do Documento Eletrônico de Transportes (Dt-e), uma das principais apostas do governo para o segmento autônomo. O projeto foi aprovado na última quinta-feira, 15, pela Câmara dos Deputados por meio da Medida Provisória nº 1051/21 e vai tramitar no Senado. Trata-se de um recurso que vai unificar os documentos exigidos para o transporte de cargas e que poderá ser usado pelo celular do motorista. Também foi visto pela categoria como tentativa de acalmar os ânimos. (Especial para O Hoje)