Após 15 anos, STF julga ação sobre órgão responsável por transgênicos
Ministro relator, Nunes Marques, foi o único a votar hoje.
O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar hoje (27/08) uma ação que contesta a exclusividade da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para dispensar estudos de impacto ambiental e liberar a comercialização de organismos geneticamente modificados (transgênicos).
O único a votar até o momento foi o relator, ministro Nunes Marques, que não viu nenhuma irregularidade na exclusividade conferida à CTNBio e opinou pela rejeição integral da ação. O caso é julgado no plenário virtual, e os ministros têm até 23h59 de 3 de setembro para remeter seus votos por escrito, sem debate oral.
Até lá, o julgamento pode ser interrompido por um pedido de vista (mais tempo de análise) ou de destaque (remessa do caso para julgamento presencial, no plenário físico ou por videoconferência).
Última instância
A exclusividade da CTNBio para autorizar a comercialização de transgênicos foi estabelecida pela Lei de Biossegurança (11.105/2005), que também prevê o órgão como sendo a “última e definitiva instância” a decidir sobre a necessidade de licenciamento ambiental antes da liberação do uso de algum transgênico no país.
Alguns meses depois da lei ser sancionada, há cerca de 15 anos, a exclusividade do CTNBio para deliberar sobre esses pontos foi questionada com uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) no Supremo pelo então procurador-geral da República Claudio Fonteles, após uma representação feita pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e pelo Partido Verde. Ao todo, 20 dispositivos da Lei de Biossegurança foram impugnados.
O primeiro relator do caso, ministro Celso de Mello, nunca decidiu sobre o pedido de liminar para suspender trechos da lei. Desde então, entre idas e vindas, a tramitação da ação chegou a ficar três anos completamente interrompida, com o processo parado no gabinete de Antonio Fernando de Souza, sucessor de Fontelles no comando da PGR. Somente em fevereiro deste ano a ADI entrou na pauta do plenário do Supremo, mas mesmo assim acabou não sendo apreciada.
Enquanto isso, o CTNBio seguiu operando normalmente. Em quase 15 anos, o colegiado composto por 27 especialistas aprovou a comercialização de 201 organismos geneticamente modificados (OMGs) no Brasil, de acordo com informações prestadas pela Advocacia-Geral da União (AGU) no processo.
Alguns desses OMG’s são micro-organismos com aplicação na medicina, incluindo na produção de vacinas contra a covid-19. A maioria (114) são plantas, todas variantes de seis culturas: soja, algodão, milho, feijão, eucalipto e cana de açúcar.
Argumentos
Em síntese, a PGR sustenta, entre outros pontos, que a Lei de Biossegurança não poderia ter suplantado a participação de outros órgãos ambientais na deliberação sobre os transgênicos, tampouco ter afastado por completo o processo de licenciamento ambiental, que pela Constituição deve ocorrer sempre que houver risco de “significativa degradação do meio ambiente”.
Em contra-argumento, a AGU defende a constitucionalidade de toda a Lei de Biossegurança, e sustenta que a legislação foi adequada ao conferir a um corpo técnico, formado por especialistas doutores, a responsabilidade para decidir se determinado produto transgênico representa ou não um risco de degradação ambiental.
Diversas entidades interessadas também apresentaram manifestações contra e a favor da lei. Grupos como o Greenpeace e a Associação Nacional de Pequenos Agricultores (Anpa) sustentam que o objetivo da Lei de Biossegurança foi afastar a aplicação da legislação ambiental no caso dos transgênicos, e que o meio encontrado para isso foi a criação de um órgão com exclusividade sobre o assunto.
A manobra teria como prioridade acelerar a liberação comercial de produtos, em detrimento a questões ligadas à saúde humana e ao meio ambiente, argumentam tais entidades.
Outras organismos, como a Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI), que representa empresas do setor de biotecnologia, destacam que o CTNBio é composto por pesquisadores e acadêmicos de alto calibre, e defendem que o colegiado tem funcionado, nos últimos 15 anos, com excelência na regulação, monitoramento e análise dos riscos envolvidos com os transgênicos.
Nesse lado, um dos principais argumentos é o de que a perda de exclusividade do CTNBio representaria um risco para a continuidade de pesquisas genéticas, gerando insegurança na comunidade científica e nos investidores, argumenta a ABBI.