Entidades apontam crescimento de famílias vivendo nas ruas
Maioria está na região Central da Capital e reforça ainda mais as mazelas sociais
Não é difícil passar por um cruzamento de Goiânia e se deparar com algumas famílias que estão vivendo em situação de rua. Além de visível, essa é a realidade de quem tira um tempo para ajudar pessoas que se encontram nesta situação. Flávia Abreu de Sousa, coordenadora da Pastoral da Rua da Paróquia Sagrada Família, destaca que as marmitas entregues às terças e sextas na região Central de Goiânia teve que aumentar de maneira significativa. “Passou de 350 para quase 1,5 mil marmitas entregues por dia. A gente percebe muitas famílias chegando com todas as crianças para pedirem alimentos”, pontua.
Ela conta que as entregas ocorrem na Avenida Independência. E que não são apenas moradores que já estavam alí. Houve um aumento de pessoas de outras cidades que vieram para Goiânia e não conseguiram nada e até mesmo de venezuelanos. “Em uma situação no Centro, nos deparamos com um local com 24 quartos divididos por 100 famílias. Eram muitas crianças e adultos no local. Foi uma realidade muito triste”, destaca.
Flávia diz que em determinadas situações se deparou com pessoas pedindo alimentos e até móveis. “Teve um caso de uma mulher que chegou para gente e relatou ter vendido todos os móveis para poder comprar comida para os filhos e estava pedindo ajuda para comprar outros mais simples. A situação era tão pesada que até o botijão de gás foi vendido”, relembra.
Ela lembra que também já realizou entregas para feirantes da Avenida Paranaíba, que, com a queda das vendas, recorreram para as entregas de marmitas. Além disso, lembra que a ação desenvolvida nesta pandemia conseguiu que cerca de 30% de pessoas que eram atendidas pelo grupo fossem encaminhadas para clínicas de reabilitação.
Ela afirma que as doações acabaram caindo neste momento e pede ajuda para que novas remessas de alimentação possam ser arrecadadas e sejam levadas aos mais necessitados. “Quem quiser, pode me procurar na igreja e estamos aceitando todos os tipos de alimentos, materiais de higiene, roupas, calçados. O que as pessoas realmente precisam nesse momento”, afirma.
Aumento de pessoas
Coordenadora de um projeto de ações coletivas sem vínculo político ou governamental, Ludymilla Lima destaca que o Invisível GO voltou a fazer ações no último mês de agosto por causa da pandemia e que já notou que há mais pessoas vivendo nas ruas. Segundo ela, não é possível precisar se são famílias pela dificuldade de identificação dos membros.
Entretanto, ela afirma que as ações prezam em arrecadar produtos de higiene para levar mais dignidade para essas pessoas. Além disso, levam outros produtos básicos como absorventes para mulheres e até mesmo camisinhas, para evitar a propagação de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs).
Ludymilla destaca que a maioria das pessoas que vivem nesta situação encontra-se na região Central da Capital, assim como nas proximidades de postos de saúde e hospitais. “Eles relatam que adotaram as ruas por causa do desemprego, da falta de dinheiro, enfim. São histórias completamente variadas”, pontua.
Prefeitura
De acordo com a Secretaria de Desenvolvimento Humano e Social (SEDHS), o levantamento mais recente realizado sobre o assunto é de 2019, e mostra que Goiânia conta com cerca de 1,2 mil pessoas em situação de rua. Deste total, 40% são pessoas que têm as ruas como o seu lar, 30% são homens que trabalham em semáforos vendendo produtos para sobrevivência, 20% são mulheres com crianças que mendigam ou vendem balas nos sinaleiros e 10% são casais que decidiram trabalhar pelas ruas da cidade ou mendigam juntos com os filhos.
O gerente do Centro Pop, Marcos Prado, destaca que muitas dessas pessoas ficam nas ruas até certo momento para realizar pedido ou vender algum produto no sinaleiro. Logo após isso, ela vai para casa. “E não são pessoas apenas de Goiânia. Tem gente que vem de outras cidades como Goianira, Trindade, Senador CanedoPara essas pessoas, Goiânia é mais vantajosa para sobreviver devido ao grande movimento de uma Capital”, reforça
Já outra parcela é composta por pessoas que realmente vivem na rua. Para tentar reverter essa situação, ele conta que Goiânia tem duas casas da acolhida, onde as pessoas podem tomar café da manhã, fazer a sua higienização, dormir e até mesmo gerar novas vias de documentos. Além de ter todo aparato com uma equipe multidisciplinar. “Porém, não é fácil. Tem pessoas que já estão há mais de 20 anos na rua. Estas, por exemplo, não estão dispostas a cumprirem regras. Então, no local, não se pode ingerir bebida alcoólica ou usar drogas. E muitos não querem e preferem voltar para as ruas. Mesmo assim, a gente continua fazendo o nosso trabalho e foca nas pessoas que ainda não pegaram esse ‘vício’ das ruas”, pontua.
Censo das ruas
É notório que há mais pessoas nas ruas da Capital. Marcos afirma que há o interesse de outro censo voltado para saber a quantidade mais atualizada de pessoas nesta situação. Entretanto, ele afirma que a preferência da gestão foi acolher todas as pessoas que estão nesta situação. “Desde que começou a pandemia, tivemos dificuldades em realizar os trabalhos in loco devido ao distanciamento social e até mesmo afastamento de colaboradores por causa de servidores contaminados”, explica.
Marcos explica que uma nova casa de acolhimento será construída em breve para que mais pessoas possam ser abraçadas pelo projeto. Mas ele também sabe que acolher essas pessoas não é suficiente. “Nós vamos buscar profissionalizar as pessoas que tenham interesse em ter uma profissão. Dessa forma, conseguiremos que ela apareça apresentável em um empresa para concorrer a uma vaga de emprego. Dessa forma, eles conseguem a dignidade deles”, reforça. (Especial para O Hoje)
Quase 222 mil pessoas vivem nas ruas, segundo o IPEA
De acordo com a cientista social Lella Malta, dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), quase 222 mil brasileiros estão em situação em março do ano passado – início da pandemia do novo coronavírus. Porém, segundo ela, esse número é bem maior. “Desemprego, crise financeira, experiência do luto e esgarçamento das relações familiares são alguns dos motivos”, afirma.
Segundo ela, o aumento de famílias na rua “torna ainda mais evidente o aumento da vulnerabilidade de pessoas em situação de rua, assim como a fome.” “Quantos se vacinaram? Quantos morreram por complicações da COVID-19? Quantos conseguiram receber auxílio emergencial sem ter acesso à internet? Quantos morreram de frio no último inverno? Nos faltam dados para avaliar o impacto da pandemia nesse grupo, mas basta olhar nas calçadas e semáforos para ver, ao vivo, as nossas mazelas sociais desmascaradas”, completa.
Além disso, ela questiona o fato da pandemia exigir que todos ficassem em casa, mas não levaram em consideração aqueles que não têm um lar. “Ações céleres a fim de evitar que essas pessoas fiquem mais tempo nas ruas, como espaços de acolhimento. O mais importante, no entanto, são políticas públicas estruturantes eficazes para prevenir que o indivíduo se encontre nessa situação. Vivemos, muito antes da Covid-19, um apagão nas políticas públicas da área”, finaliza.